Durante audiência de instrução preliminar da primeira ação penal a que responde pelo assassinato de uma de suas vítimas, o vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, 26, apontado como suposto serial killer que já confessou 29 mortes, a maioria de mulheres, falou que foi induzido ao crime por uma “voz” que lhe inspirava “um sentimento demoníaco”. O depoimento de Tiago sucedeu o de seis testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação e aconteceu nesta sexta-feira no plenário do Tribunal do Júri, localizado no Setor Oeste, em Goiânia, que ficou lotado.
A audiência, que durou cerca de uma hora e meia, foi relativa ao assassinato de Rosirene Gualberto da Silva, 29 anos, morta na noite de 19 de julho do ano passado. Ela e uma irmã iam a uma danceteria, no Setor dos Funcionários, em Goiânia. Perto da meia noite, ao estacionar o carro, a vítima trocava os sapatos dentro do carro, quando Tiago Henrique parou sua motocicleta ao lado da porta do motorista e pediu a chave do veículo. Antes da moça a entregar, ele disparou um tiro no peito dela. A irmã que estava com a vítima, Rocilda Gualberto da Silva, também foi ferida no braço.
Respondendo a questionamentos do juiz Eduardo Pio Mascarenhas, da 1ª Vara Criminal de Goiânia, que presidiu a audiência, o suspeito – que permaneceu de cabeça baixa o tempo todo - disse que estava bebendo em um bar antes de cometer o crime e não se lembrava de mais nada após anunciar o assalto e efetuar o disparo. “Fui obrigado a fazer”, disse sobre a motivação do crime. “Saí de casa e fui para um bar para tentar esquecer este sentimento ruim que eu tenho através da bebida. Bebi bastante, saí de lá e fui para casa ”, falou. “Tinha uma voz me dizendo para eu praticar um crime, e aconteceu”, justificou. “Era um sentimento demoníaco”, descreveu, logo depois.
Ainda durante a oitiva, Tiago negou que acompanhou notícias do crime pela imprensa. Questionado se sabia que matar pessoas era errado, o suspeito simplesmente respondeu: "Para mim não era". Tiago disse que não sabia porque e como escolheu as vítimas e que tentava conter o mau ímpeto, mas não conseguia. “Eu tentei, mas era mais forte do que eu”, afirmou, quando questionado sobre a possibilidade de ter se tratado. O suspeito negou saber o calibre da arma que usou no crime, um revólver 38, mesmo quando questionado se havia, no curso de vigilante, tido aula sobre armas. Negou também que trocava a placa da moto usada nos crimes e a capa do tanque dela, originariamente de cor preta, para confundir a polícia. Tiago disse, ainda, que não atirou para matar.
Ao final da audiência, as três advogadas de Tiago solicitaram o exame de insanidade mental do suspeito, que foi acatado e deve ser realizado em até 45 dias pela junta médica do Tribunal de Justiça de Goiás. “Foi conforme o esperado. A gente pediu o exame, foi deferido, e agora o processo está suspenso até o final do exame”, disse Bruna Moreno, uma das advogadas do suspeito, em rápida entrevista ao final da audiência. Segundo ela, o exame de sanidade foi pedido por causa de uma dúvida que paira sobre a condição do réu. Caso seja considerado não consciente dos seus atos, Tiago poderia ser julgado como inimputável, e cumpriria apenas medida de segurança.
A defesa solicitou o depoimento de Neusa Ramos dos Reis, uma garçonete de um bar frequentado por Tiago, que disse que o suspeito era tido como “estranho” por ela e pelos outros funcionários, por causa de seu comportamento, que se intensificava com a bebida. “As conversas dele eram estranhas”, disse ela, que afirma que viu o suspeito várias vezes muito transtornado, principalmente após beber. “A gente suspeitava dele”, disse a testemunha se referindo as primeiras notícias divulgadas sobre um suposto serial killer matando mulheres em Goiânia.
Mas, para o promotor do caso, Carlos Alberto da Fonseca, é preciso garantir o amplo direito de defesa do acusado, mas há evidências de que Tiago tinha consciência dos crimes que praticou. “É um direito do acusado negar e criar fatos, mas não coaduna com nenhuma das provas produzidas, nem periciais, nem testemunhais”, avaliou. Segundo o promotor, o Ministério Público está convencido de que há elementos suficientes para pedir a pronúncia de Tiago por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa da vítima) e levá-lo a julgamento de Júri Popular. “Nós temos convicção pelas perguntas que fizemos no interrogatório de que ele tinha entendimento, autodeterminação e nos vamos quesitar que seja ele responsabilizado e nas alegações finais vamos pedir que ele seja levado a julgamento pelo Tribunal do Júri”, afirmou.
O promotor disse que depoimentos ouvidos hoje, como o da irmã da vítima, Rocilda, que foi atingida no braço pela bala que matou Rosirene – declarando não ter dúvidas de que foi mesmo Tiago que atirou – e do delegado Fábio Meireles, sobre a forma que foram colhidas as provas periciais, que incluem o exame de balística positivo, ligando o projétil a arma encontrada com Tiago, quando ele foi preso, em 14 de outubro do ano passado.O juiz Eduardo Pio disse que pode ou não aceitar o laudo sobre a insanidade. "O juiz não está vinculado ao laudo", disse.
A polícia chegou até Tiago Henrique após formar uma força tarefa para investigar assassinatos de mulheres jovens em Goiânia. Tiago, a princípio, confessou à Polícia Civil ter matado 39 pessoas desde 2011. Depois, em um novo depoimento, reduziu as confissões para 29, incluindo mortes de moradores de rua e homens gays. Desde 22 de outubro, está isolado em cela do Núcleo de Custódia do Complexo Prisional, localizada na cidade vizinha da capital, Aparecida de Goiânia.
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