Em fevereiro de 2004, logo após terminar os estudos em Porto Alegre, o jovem Cássio Ársego conseguiu alugar, com a ajuda da família, um posto de combustível que estava em vias de pedir falência, nos arredores de Dois Lajeados, pequena cidade a 130 quilômetros de Porto Alegre. Era uma ótima oportunidade num ótimo ponto: o posto, gerido sob a bandeira da BR Distribuidora, que pertence à Petrobras, ficava numa rodovia movimentada, a RS-129, atendendo de caminhões aos muitos tratores usados pelos agricultores da região. “Sempre quis ter um posto, uma empresa minha”, lembra Cássio.
Em poucos anos, usando os conhecimentos de negócios que adquirira na faculdade e ralando de 6 da manhã às 11 da noite, ele salvou o posto, que passou a dar lucro, e virou dono do lugar. Morava no escritório. Dormia embalado pelo barulho dos caminhões que cruzavam a rodovia de madrugada. À noite, antes de deitar, bolava estratégias para tornar o posto ainda mais lucrativo. Ao lado da mulher, fazia planos para comprar outros postos. Sonhava alto, como exigiam seus 25 anos. Até que, no começo de 2009, um dos principais assessores da BR Distribuidora no Estado, Carlos Roberto Oliveira, visitou seu posto.
Cássio foi apresentado, sem firulas, à corrupção que vicejava numa Petrobras aparelhada de alto a baixo. A BR é a mais rica subsidiária da estatal. Naqueles tempos, e mesmo hoje, o governo do PT reparte os cargos na BR entre indicados do próprio partido, do PTB e do PMDB. Até outro dia, o senador Fernando Collor, do PTB, acusado no petrolão, assenhoreava-se da cúpula da BR, ao lado de outro investigado, o senador Edison Lobão, do PMDB. Os repartes reproduziam-se nas gerências da BR nos Estados – e o Rio Grande do Sul, terra de Cássio, não era exceção. A gerência da BR no Estado fora entregue ao PTB.
A um funcionário como Carlos Oliveira, cabia percorrer os postos e as distribuidoras do Estado em busca de negócios para a estatal. Ele detinha o poder de fechar e rever contratos com donos de postos. Podia aumentar ou cortar o preço do combustível vendido pela BR aos donos. Podia também estabelecer os termos para que a empresa financiasse reformas nos postos. Ao encontrar Cássio em seu posto, Oliveira foi direto: exigia 20% do lucro mensal do posto dele – ou R$ 3 mil. Para os brasileiros acostumados com as propinas de centenas de milhões de dólares no petrolão, o caso de Cássio pode parecer insignificante. Para ele, contudo, significou tudo: o posto, o casamento, o futuro. Perdeu o que tinha e o que não tinha.
Cássio não cedeu ao achaque. Veio a retaliação. No dia seguinte, foi obrigado a comprar combustível muito mais caro da BR. Indignado, dirigiu-se à sede da empresa em Porto Alegre e informou o episódio a funcionários da Petrobras. Enquanto esperava na recepção para ser recebido por alguém, recebeu uma ligação de Oliveira. “Tu vai esperar sentado”, disse o assessor. Cássio esperou sentado. Percebeu que Oliveira não estava sozinho. Tinha duas opções: ceder ao achaque ou quebrar.
Ele capitulou. Não demorou para que Oliveira aumentasse a propina para R$ 5 mil. “Tenho de passar para mais gente lá dentro (da BR)”, dizia o assessor, segundo Cássio. “O dinheiro também tem de ir para o partido”, afirmou o assessor, sem especificar a que legenda se referia. Cássio, sempre confrontado com a dúvida entre aquiescer ou deixar seu posto quebrar, não via muita escolha. Cedeu mais uma vez. Mas capitular também tinha seu preço. Cada nova investida de Oliveira deixava seu negócio menos rentável, sua consciência mais pesada e sua mulher mais distante. Sua vida ruía lentamente, desfazendo-se a cada bolinho de dinheiro. Para que a BR ajudasse a financiar uma reforma em seu posto, Cássio topou pagar R$ 180 mil em propina ao assessor Oliveira. Antes, fora ameaçado por ele, com uma arma. “Tu sabe do que eu sou capaz”, disse Oliveira.
Cássio decidiu gravar os pagamentos em vídeo. ÉPOCA obteve o material (assista ao vídeo ao lado. Num deles, gravado em 2009 na sala de Cássio em seu posto, Oliveira está bem à vontade, de bermuda, tênis e camiseta polo preta. Senta-se gostosamente na cadeira, espreguiçando-se de boca aberta. Estica as pernas e cruza os braços. Está claramente acostumado a transações dessa natureza – a coletar propina. Fala sobre amenidades, enquanto Cássio, vestindo uma camisa branca com a marca verde da BR e da Petrobras, destranca um armário e retira de lá um envelope branco, contendo o dinheiro de seu trabalho.
Ele se senta em frente a Oliveira e passa a contar, com as mãos, as notas: 100, 200, 300, 400, 500… Oliveira prossegue falando banalidades. Olha para o teto, para os lados, para baixo – menos para o dinheiro. Ao fim da rápida operação, Cássio segura um bolinho de notas de 100 em sua mão. Falta o lacinho. Cássio recorre a uma liguinha de plástico, dando uma – plá! – volta e agora mais duas – plá! plá! – voltas no bolinho. Assim que os R$ 3 mil trocam de mãos, o capricho de Cássio, o achacado, encontra a vulgaridade de Oliveira, o achacador. Num átimo, o bolinho de dinheiro some e conhece seu destino: as meias de Oliveira, que ainda precisa de alguns segundos para acomodar a propina. Está encerrada a transação. Minutos depois, Oliveira deixa o escritório levando nas canelas bufantes – ele estava de bermuda – grande parte do magro lucro de Cássio.
Em 2011, já quebrado, Cássio levou a denúncia novamente à direção da BR, que abriu uma auditoria. Entrou com uma ação contra a empresa. “Noticiamos os fatos para a autoridade policial. Posteriormente buscamos contato com a empresa e não obtivemos resposta. Agora confiamos no Poder Judiciário para reparar os severos danos morais e materiais causados ao nosso cliente. Será Davi contra Golias, mas não vamos desistir”, diz Marcelo Santagada de Aguiar, advogado de Cássio.
Até agora, a Justiça nada decidiu. A BR informou que demitiu o assessor, mas não investigou a possível participação de outros funcionários no esquema. Oliveira não quis falar com ÉPOCA. Cássio mora de favor, está desempregado e assiste pela TV ao desenrolar do petrolão.