Uma questão pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) tem deixado os órgãos previdenciários em alerta. Está nas mãos da Suprema Corte o julgamento do recurso extraordinário 669465, que decidirá se a esposa e a companheira de um mesmo homem podem dividir a pensão decorrente de sua morte, em 2004. A apelação foi feita pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), em um processo julgado pela Justiça Federal no Espírito Santo. O juiz responsável pelo caso determinou que as duas mulheres rateassem o benefício, ficando cada uma com 50%.
Institutos, como o Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Rio Previdência), esperam pelo fim da controvérsia, que terá repercussão geral (quando a decisão do STF é aplicada pelas instâncias inferiores, em casos idênticos). “A maioria dos regimes próprios aguarda essa decisão, pois geralmente adotamos as mesmas posições do regime geral”, afirma Roberto Moisés, diretor de Seguridade do Rio Previdência.
O fundo não permite a divisão de pensão. No caso de um homem falecido que tinha uma esposa e uma união com outra companheira, a viúva é quem tem direito ao benefício. Há uma exceção, se ficar comprovado que o homem estava separado na prática, mesmo sem assinar o divórcio, e havia formado família com outra mulher. “A companheira tem que provar que houve separação de fato há pelo menos dois anos, caso contrário a pensão fica com a viúva”, explica Moisés. O INSS também adota este entendimento.
Pagamento continuado
Para o presidente da Comissão de Direito de Família da OAB, Bernardo Moreira, o reconhecimento de uma união paralela pode onerar os cofres do INSS, daí o interesse da autarquia em recorrer da decisão da Justiça. “Quando uma das mulheres morre, o INSS continuará tendo que pagar a pensão para a outra. Haverá a perpetuação da obrigação”, diz.
Nas ruas, a opinião sobre o assunto é divergente. Para a bióloga Marcela Timbó, 24 anos, a companheira do homem casado deve ter direito à pensão. “Viver vale muito mais do que um papel assinado. Então não vejo nenhum problema em alguém que tenha um relacionamento, mesmo que extraconjugal, receber a metade da pensão”.
Seu namorado , o músico Luã Belik, 30, tem reserva quanto ao pagamento da pensão a duas mulheres. “Concordo apenas se a amante tiver filho com o homem. Caso não tenha, ela tem perfeitas condições de trabalhar e seguir a vida. Só acho que a situação vale a pena se for uma família, e não apenas um casal.”
Amante viveu com parceiro por 27 anos
Na ação que deu origem ao recurso do INSS, Shyrley Maria da Penha alega que viveu 27 anos com Walter Coutinho de Amorim, falecido em 2004. No entanto, ele era casado com outra mulher, Ronilda Ribeiro de Amorim, com quem tinha três filhos. Para provar que tinha uma relação estável com o homem casado, Shyrley anexou ao processo fotos dos dois e cartas trocadas entre eles, além da certidão de nascimento do filho que os dois tiveram.
O juiz responsável pelo caso entendeu que ela tinha direito ao recebimento do benefício e determinou a divisão da pensão em cotas iguais entre esposa e companheira. A turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Espírito Santo confirmou a sentença. Para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que levou a discussão ao Supremo, houve violação do Artigo 226, Parágrafo 3º, da Constituição Federal. Para o órgão, não se deve atribuir efeitos previdenciários ao “concubinato impuro”.
O processo está no STF desde janeiro de 2012 e não tem data para ir a julgamento. Como casos semelhantes já foram julgados tanto pelo próprio STF como pelo Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luiz Fux decidiu dar repercussão geral à matéria.
Divergências
Especialistas da área de Direito de Família divergem quanto ao reconhecimento de uma união paralela no pagamento de pensão por morte. O presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha, acredita que a relação extraconjugal deve ser reconhecida, desde que fique provado que havia a formação de uma unidade familiar.
“A amante não tem direitos, ela é apenas uma namorada. Mas quando há uma família paralela, aí sim existe a obrigação”, afirma. Ele explica que vários fatores podem caracterizar a formação de uma família, como a dependência econômica, a moradia conjunta e a existência de filhos decorrentes da relação.
Para Regina Beatriz Tavares da Silva, advogada e doutora pela USP, o reconhecimento de uniões fora do casamento é um equívoco. “No Brasil, não existe poligamia.
Tanto o casamento quanto a união estável são monogâmicos”, afirma. Segundo Regina, uma decisão que autorizasse a divisão da pensão caracterizaria a bigamia. “Mesmo que não seja o crime de bigamia, que só acontece quando uma pessoa contrai dois casamentos, você vai autorizar um ilícito para efeitos civis”.