“Quem não passou por uma situação vergonhosa e após certo tempo riu com ela mesma? Certamente passou a contá-la até mesmo para desconhecidos? Pois bem, ao certo que uns de imediato, outros mais tarde – tudo varia conforme a evolução do estado de espírito – mas, de qualquer forma, justamente a brincadeira e a gozação, ao final, acabam sendo o melhor instrumento da confraternização.”
Com tal espírito é que o juiz de Direito Rodrigo Garcia Martinez, da 45ª vara Cível de SP, julgou improcedente ação de indenização ajuizada por homem alegando que foi indevidamente vinculado a “degradante inserção televisiva” no programa humorístico “Pânico na Band”.
Na peça da qual foi vítima, os integrantes do programa ofereciam doces para os torcedores que foram a uma partida entre a Argentina e a Suíça durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014, dando a entender ao telespectador que as guloseimas teriam sido produzidas com estrume bovino.
Rir da situação
O magistrado concluiu que em momento algum ficou provado que o autor consumiu dejetos bovinos, nem que os artistas do programa de fato distribuíram substâncias alimentícias adulteradas, e sim que o elenco do Pânico apenas vendeu a ideia de que iriam fazer os torcedores argentinos consumir dejetos bovinos, realizando uma edição de imagens.
"Não assisti o referido programa para saber qual o móvel desta brincadeira, mas o intuito talvez fosse "vingar" a torcida brasileira da da Argentina, de uma forma humorística, em relação a aquele marcante episódio (este sim verdadeiro, que revoltou todos os brasileiros) da água adulterada oferecida pela seleção Argentina à Brasileira, numa certa partida da Copa do Mundo de Futebol de 1990, cuja verdade deste evento foi revelada muitos anos depois por um certo jogador (quase sempre ligado a escândalos) durante uma entrevista televisiva."
Rodrigo Garcia Martinez entendeu que não houve lesão a qualquer tipo de direito de personalidade do autor.
“Constam várias mensagens eletrônicas, todas elas brincadeiras dos amigos do autor, de forma totalmente salutar, sobre o evento no qual ele aparece consumindo o alimento entregue por um desconhecido. Qualquer pessoa que lê essas mensagens percebe que não há qualquer exposição do demandante ao ridículo, ou a qualquer tipo de constrangimento. Muito pelo contrário, percebe-se como o requerente é muito querido pelos colegas os quais, por sua vez, como em qualquer grupo de pessoas normais, não perderam tempo em realizar gozações. Caso o autor realmente experimentasse uma situação típica de dano moral, outro seria o ânimo dos seus amigos, o quais sem dúvida alguma escreveriam mensagens de apoio ao demandante, solidarizando-se com ele.” (grifos nossos)
Segundo o julgador, os documentos dos autos demonstram que a brincadeira serviu, em verdade, como forma de animação dos amigos. E continuou na sentença:
“Por qualquer ângulo que se analise a questão, desnecessária a autorização do autor para a veiculação de sua imagem no programa humorístico, da forma como foi exposta. Logo, por mais que o autor ainda não tenha amadurecido a ideia da brincadeira realizada pelo elenco do programa, creio que num futuro bem próximo estará rindo da situação vivenciada, relembrando-a com os amigos. Talvez, por ora, o momento seja de mágoa, mas, muitas vezes na vida, sem aprendermos a supera-la, não chegamos à paz de espírito. De toda forma, desejo muito sucesso ao demandante e um parabéns, que no seu devido tempo, saberá compreender o significado deste voto.” (grifos nossos).