“Não vou comparecer. Se virem. Não colaboro com o inimigo”, afirmou o oficial da reserva José Conegundes, ao se recusar a depor hoje (8.09) na Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Para o coordenador da comissão, Pedro Dallari, a hostilidade deste e de outros militares foi estimulada pela resistência das Forças Armadas em reconhecer as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura (1964-1985). Ele, no entanto, destaca o fato de a comissão ter recebido, do Ministério da Defesa, a “folha de alteração” de 114 militares suspeitos da prática desse tipo de violência.
A folha de alterações é “um documento preciso”, que registra, passo a passo, toda a trajetória funcional de um militar. Por meio dela, é possível documentar, por exemplo, datas de diárias e de passagens, ou mesmo atos e sessões das quais participaram os militares. Assim é possível saber se eles estavam nos locais onde, segundo testemunhas, teriam cometido os crimes.
“Nós estávamos pedindo [esses documentos] desde setembro às Forças Armadas. Havia muita resistência, mas recorremos, então, ao ministro [da Defesa, Celso Amorim]. Na semana passada [no dia 5] recebemos 114 das 115 folhas de militares cuja documentação havíamos solicitado. Houve, no entanto, um caso onde a viúva de um oficial recorreu ao Poder Judiciário e obteve liminar para que o ministério não a entregasse”, disse Dallari.
Ele lamentou a ausência de praticamente todos os depoentes previstos para hoje e, também, o tom “agressivo e hostil” apresentado por dois oficiais em resposta à convocação da CNV. “É a primeira vez que recebemos respostas grosseiras como essas”, disse Dallari, referindo-se às respostas dadas na véspera por dois convocados, José Conegundes e José Brant Teixeira.
“Segundo orientação do Comando do Exército, as convocações devem partir daquela autoridade”, justificou Brant. Para Dallari, essas respostas representam “uma afronta” à comissão. “Optamos por informar o Ministério da Defesa para que apure. Até porque estamos diante de uma infração disciplinar. Nesse sentido, teremos de verificar se isso não pode estar ocorrendo em função de problemas de saúde, tal a gravidade da afronta.”
De acordo com Dallari, a comissão tem identificado muita resistência de oficiais da reserva convocados em colaborar com a comissão. “Temos absoluta clareza de que eles, de certa maneira, estão sendo estimulados pelo fato de que, até hoje, as Forças Armadas se recusam a reconhecer que houve tortura e graves violações de direitos humanos, na qual tiveram papel protagonista”, disse ele.
Até então, a justificativa mais comum para o não comparecimento era relativa à saúde dos convocados, já com idade mais avançada. “Mas agora eles parecem estar se sentindo mais estimulados a se recusar a depor. Esses depoentes que estão afrontando a comissão certamente se sentiram fortalecidos e estimulados por essa conduta dos comandos militares”, acrescentou Dallari.
Dos nove agentes da repressão convocados para depor hoje e amanhã (9) em Brasília, apenas um está sendo chamado pela primeira vez. O único que compareceu às audiências de hoje foi o oficial da reserva Ricardo Agnesi Faiadi, que, segundo Dallari, respondeu a todas as perguntas com um “nada a declarar”.
Entre os agentes que estão sendo novamente convocados está o coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, e o coronel Leo Frederico Cinelli – ambos atuaram na repressão à Guerrilha do Araguaia, nos anos 70. Também foi reconvocado o general José Antonio Nogueira Belham, que comandava o DOI-Codi do Rio de Janeiro quando da tortura, morte e desaparecimento do deputado Rubens Paiva.
A ausência ou a recusa em responder às perguntas da comissão têm preocupado os integrantes do colegiado. “Mais do que um impasse nos trabalhos, isso pode gerar enorme frustração pelo fato de a comissão ficar impedida de atender a sua função legal, que é produzir um relatório sobre as graves violações de direitos humanos que ocorreram no Brasil”, disse Dallari. Ele tem estudado a possibilidade de fazer algumas conduções coercitivas para obter os depoimentos de oficiais.
“A lei estabelece que a comissão tem poder de convocação, e a condução coercitiva é uma decorrência natural desse poder. Inclusive nos certificamos desse entendimento junto ao Ministro da Justiça, que concordou integralmente com esse entendimento. Temos essa ferramenta, que evidentemente pode ser usada, mas com muita parcimônia. O que a comissão quer é que os depoimentos sejam prestados, que eles sejam feitos. Para isso, o que esperamos é uma postura de cooperação com a comissão”, disse.
Dallari lembra que a CNV já usou desse expediente no caso do capitão Wilson Machado, envolvido no atentado do Riocentro, no Rio de Janeiro. “Ele não compareceu, então, determinamos a condução coercitiva, e a Polícia Federal foi ao seu encalço. Ele não foi localizado, mas, posteriormente, acabou prestando depoimento.”