O Fantástico traz uma análise detalhada da cena de violência que chocou o Brasil.
Um homem ferido, desarmado, com medo de morrer e em volta dele seis policiais militares. Um tiro e em seguida outro. Depois a surpresa de quem filmou a ação policial. “Matou o cara”, disse o cinegrafista amador.
A imagem chocou o Brasil, e o homem morreu no hospital. Sobre o assunto, o comandante da PM disse: “Esses policiais militares deverão ser processados, demitidos ou expulsos da corporação”. O governador Geraldo Alckmin criticou: “Isso é intolerável”.
O homem executado era Paulo Batista do Nascimento, de 25 anos. Ele era um servente de pedreiro que já tinha frequentado delegacias e presídios. Sua ficha criminal incluía condenações por roubo, receptação e falsificação de documentos.
O Fantástico teve acesso exclusivo à investigação do departamento de homicídios, um inquérito com mais de 400 páginas com os relatos de todos os policiais envolvidos e testemunhas do caso.
Uma equipe do programa voltou ao cenário do crime, o bairro do Campo Limpo, na periferia da Zona Sul. Tudo começou com uma troca de tiros, às 8h do dia 10 de novembro, um sábado. Dois policiais circulavam de moto. O soldado Marcelo de Oliveira, 32 anos, e Diógenes de Melo, 37 anos.
Os policiais de moto desconfiaram de três rapazes que seguiam por uma rua de carro. Os PMs disseram que deram ordem para eles pararem, mas que os suspeitos teriam tentado fugir. Com isso, começou uma perseguição.
O soldado Marcelo conta que durante a perseguição os ocupantes do carro efetuavam disparos contra as motos, e que ele e Diógenes revidavam. Um dos suspeitos foi atingido e morreu, enquanto Paulo, que ficou ferido, e o outro ocupante do carro conseguiram fugir a pé.
Paulo correu por uma viela de 60 metros de comprimento para escapar. Ferido, ele acabou deixando um rastro de sangue. Os policiais disseram que seguiram este rastro para encontrá-lo.
Então, chegou o carro da polícia com o tenente Hasltons Kay Tin Chen e seu motorista, Francisco Anderson Henrique, de 32 anos. O advogado, José Miguel da Silva Júnior, falou pelo tenente. “Ele escutou pelo rádio que havia troca de tiros e encostou para dar o apoio”.
Nessa parte, aparece uma contradição na versão dos policiais: o tenente Chen disse que correu atrás de Paulo, junto com o soldado Marcelo, até a rua onde foi gravado o vídeo. Mas Marcelo nega. Afirma que chegou só até a viela e que nunca esteve no local da prisão de Paulo.
Mas os policiais do mesmo batalhão de Marcelo reconheceram o soldado nas imagens. Ele aparece sem colete e em posição de tiro.
Paulo escapou pela rua e invadiu uma casa. Contudo, foi encontrado pelos PMs e, no vídeo, aparece de camisa clara, implorando para não ser preso. “Pelo amor de Deus, senhor. Eu não
tenho nada a ver, não, senhor”, disse ele ao ser achado.
Depois, Paulo é retirado da casa por PMs. Ele já estava dominado e ferido, mesmo assim, leva um tapa no rosto. Então, um policial dá um chute em um portão.
Paulo tenta justificar o ferimento à bala que tem no corpo.
“Eu não tenho nada a ver, não, senhor. Eu fui baleado ali no beco”, disse Paulo. Ao ver o vídeo, o tenente Chen se reconheceu. Ele segura Paulo pelo braço. Outro identificado é o motorista do tenente, o soldado Henrique.
Esta é foi a cena mais impactante do vídeo, o momento do tiro. O soldado Marcelo se preparava para atirar e erguia os dois braços, em posição de tiro. Na frente dele, Paulo aparecia completamente dominado, com uma das mãos na cabeça. As imagens não mostraram o exato momento do tiro, mas o som é claro. Assustada, a pessoa que filmava se abaixou.
No depoimento, Chen contou o que a câmera não registrou: Ele disse que Paulo foi atingido no seu lado direito, pois ele já tinha se voltado para poder se ajeitar e entrar no compartimento de presos. Apesar de ter aparecido na imagem, Marcelo negou e disse que não estava no local naquele momento.
Após ter levado o tiro, Paulo escapou dos policiais. Ele conseguiu sair correndo por uma rua, mas os policiais o alcançaram. Ele foi novamente baleado, outra vez pelo soldado Marcelo. O vídeo registrou o som do segundo tiro.
Testemunhas protegidas contaram o que aconteceu a partir desse momento.
Segundo elas, Paulo foi colocado ainda vivo no carro da polícia, o mesmo que aparece nas imagens. Dentro dele, estavam o soldado Henrique, o tenente Chen e o soldado Jailson Pimentel de Almeida, de 39 anos.
O soldado Pimentel teria sido chamado por Chen para ajudar a levar Paulo até o hospital. Contudo, o soldado negou que tenha acompanhado o tenente e diz que não entrou no carro.
Mas as testemunhas foram categóricas: partiu de Pimentel o último tiro.
“O Paulo começou a se bater, gritar e tentar quebrar o vidro da viatura. O tenente escutou outro disparo”, disse o advogado.
O inquérito concluiu que Pimentel mandou que o carro da polícia parasse em uma rua com pouco movimento, abriu o porta-malas e atirou em Paulo. No boletim de ocorrência, os policiais alegam que o corpo de Paulo foi encontrado na viela, logo após a troca de tiros. Mas foram as imagens divulgadas pelo Fantástico no domingo passado que mostraram a verdade.
Até agora, seis PMs foram presos: os soldados Marcelo, Pimentel, Henrique, Diógenes, o tenente Chen e o sargento Ataliba Soares, de 50 anos, que chegou à cena do crime com o soldado Pimentel. Após a divulgação das imagens, os soldados Marcelo e Pimentel tentaram combinar uma versão, segundo uma pessoa que ouviu a conversa na segunda-feira.
Em depoimento, ela contou que ouviu Marcelo dizer “Só dá pra ouvir o tiro, não dá pra identificar quem atirou! Fecha a história como se só tivesse sido confronto lá em cima”.
"Lá em cima" seria uma referência à rua onde aconteceu a troca de tiros entre os policiais de moto e os suspeitos no carro, inclusive Paulo. Ainda de acordo com o relato, Pimentel teria afirmado “Quando socorreu, eu não estava lá, entendeu?”.
O tenente Chen disse ter sido intimidado pelos colegas. “Foram olhares intimidatórios”, disse o advogado de Chen.
Por proteção, Chen está isolado dos outros PMs no presídio militar Romão Gomes, segundo o advogado.
No depoimento, o tenente afirmou que esta teria sido "a primeira vez que viu alguém baleado, que inclusive ficou muito assustado, entrando quase em pânico". Contou ainda que não deu voz de prisão aos soldados em razão de ter ficado com medo de morrer. “Ele teme morrer, claro”, afirma o advogado de Chen.
O tenente Chen tem 24 anos, ele começou a trabalhar nas ruas há quatro meses, pouco depois de se formar na academia da Polícia Militar, em São Paulo.