A reforma do tradicional Hotel Glória está parada novamente. O prédio do antigo cinco estrelas, situado entre a Igreja Nossa Senhora da Glória do Outeiro e o Parque do Flamengo, é hoje um canteiro de obras fantasma. Segundo vizinhos do hotel que foi símbolo de luxo e poder na capital fluminense, não há movimentação de operários no local há mais de um ano. O R7 visitou o prédio e constatou seu estado de abandono — a reforma está parada, os muros estão pichados, o edifício foi alvo de furto e moradores de rua adotaram o entorno para descanso. Quem vive no bairro relata até mesmo um aumento da criminalidade da região.
O hotel, que um dia foi hospedagem preferencial de presidentes da república (conheça a história abaixo), foi comprado em 2008 pelo ex-bilionário Eike Batista, que teve uma série de bens apreendidos neste mês. A Justiça Federal mandou bloquear R$ 3 bilhões do empresário para, em caso de condenação por crimes contra o mercado financeiro, os pagamentos de indenizações e multa sejam realizados.
Após a compra do hotel por Eike, a reforma animou moradores do bairro, que viram a perspectiva de melhorias na região. Entretanto, há cerca de dois anos, as obras foram interrompidas. Com a desconstrução do império de Eike, o fundo suíço Acron, especializado em investimentos imobiliários, comprou o Hotel Glória em fevereiro do ano passado e anunciou a reabertura do empreendimento para os Jogos Olímpicos de 2016.
Havia a expectativa de um avanço nas obras, porém a reforma continua abandonada. Em novembro passado, Eike voltou ao negócio. O brasileiro que figurou na lista da revista Forbes como um dos mais ricos do mundo firmou parceria com o grupo europeu. Segundo comunicado, trata-se de um "acordo vinculativo para o desenvolvimento da reforma do Hotel Glória". Entretanto, desde então, nada aconteceu.
A reportagem verificou que oito seguranças se revezam na ronda para evitar invasões ao terreno. No entanto, há duas semanas, os vigilantes não conseguiram evitar o furto de cabos de energia que deixou parte da construção sem luz por ao menos 15 dias. Para um dos funcionários, "as obras não serão retomadas tão cedo".
— Nas últimas semanas, tiveram várias reuniões aqui. Uma funcionária da EBX [empresa de Eike Batista] avisou que a reforma do hotel não será retomada tão cedo. Ela usou essas palavras. Além disso, informou que todas as máquinas serão recolhidas após o Carnaval.
Procurada pelo R7, a assessoria de imprensa da EBX, empresa de Eike Batista, se limitou a dizer que não comenta as perguntas sobre como funciona o acordo e o andamento das obras. Já a Acron não retornou o contato. A construtora Método, responsável pela reforma, também não atendeu à reportagem.
Com dificuldades para iniciar obras e conseguir licenças ambientais, o empresário também vendeu, em setembro de 2014, a MGX, concessionária da Marina da Glória. O projeto do hotel fora idealizado por Eike para integrar a área de eventos na marina. A BR Marinas adquiriu 100% do empreendimento, localizado próximo ao hotel. O contrato de concessão vai até 2036.
A rede, responsável por oito marinas no País, iniciou as obras para a revitalização da Marina da Glória no final do ano passado. O objetivo é atender ao setor náutico, aumentando as vagas de barcos de 240 para 655. A obra deve ser finalizada em fevereiro de 2016 visando aos Jogos Olímpicos, quando a Marina da Glória sediará as provas de vela.
Reforma e ruínas
A REX, braço imobiliário do grupo EBX, comprou o Hotel Glória da família Patajós por R$ 80 milhões. A reforma começou em 2010. Na época, o empresário apresentou um projeto de modernização ambicioso que colocaria o hotel entre os dez melhores do mundo. A previsão era de que o empreendimento, que passaria a se chamar Glória Palace, ficasse pronto para a Copa do Mundo de 2014.
A reforma contou com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em 2010, o banco aprovou empréstimo de R$ 190 milhões. Segundo a assessoria de imprensa do BNDES, apenas a primeira parcela, no valor de R$ 50 milhões, foi liberada.
O ex-bilionário vendeu o hotel para o fundo suíço no auge da crise financeira que abateu as empresas X. Os valores da negociação não foram divulgados. À época da compra do hotel, o Acron anunciou que o Hotel Glória irá oferecer 352 quartos, restaurantes, um teatro, lojas, um ginásio e uma piscina com vista para o Pão de Açúcar.
Os moradores do bairro da zona sul do Rio lamentam o estado em que o Hotel Glória se encontra. Cercado de andaimes e tapumes, o prédio está em ruínas. Apenas a fachada original foi preservada.
A história do hotel ficou na memória de quem um dia frequentou o antigo cinco estrelas. Um morador do edifício Itacolomy, vizinho ao Glória, que vive há 30 anos no mesmo local, relembrou os bons tempos.
— Eu almoçava com frequência lá. O hotel tinha obras de arte, um lustre lindo na entrada. Ele era mais bonito do que o Copacabana Palace, que foi desenhado pelo mesmo arquiteto.
O morador, que preferiu não se identificar, contou ainda que a paralisação da obra provocou um aumento da criminalidade na região.
— Agora tem furtos, tráfico de drogas e mendigos aqui em frente. Antes, não existia isso. Tinha um movimento muito grande de pessoas e seguranças.
Um sinal claro de abandono do Glória são as pichações nos muros, algumas com ofensas a Eike Batista. O chileno Pedro Morales, que mora no bairro há quatro anos, disse que é difícil não associar o esqueleto do hotel à derrocada do empresário.
— O hotel virou um retrato da decadência do Eike Batista. O megaprojeto dele virou nada.
Almir da Silveira vive na Glória há 22 anos e reforça as críticas. Indignado, ele diz acreditar que Eike Batista deveria responder criminalmente pela interrupção do projeto.
— Se o Brasil fosse um país sério, o Eike estava preso. O que ele fez com o Hotel Glória é um crime. Eu entrei várias vezes no hotel. Era lindo por dentro. Eu admirava a imponência dele.
A onda de frustração atingiu também o mercado imobiliário, que esperava a valorização dos imóveis na Glória. Segundo o corretor Rafael Portella, o início das obras vislumbrou uma transformação do bairro.
— O mercado especulou uma valorização de 15% a 20% dos imóveis na região. Mas as obras não foram concluídas e a expectativa não se concretizou. O que eu posso dizer é que hoje o bairro não está mais em ascensão devido à reforma do Hotel Glória estar parada.
Passado de glória
O Hotel Glória foi inaugurado para receber missões oficiais da Exposição Internacional de 1922 em comemoração ao centenário da Independência do País. O prédio projetado pelo francês Joseph Gire tinha até um cassino. O estabelecimento hospedou de Albert Einstein a Madonna, passando por presidentes como Washington Luis e Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o professor do departamento de Teoria e História da Arte da UFF (Universidade Federal Fluminense), Paulo Knauss, o Glória já nasceu com destaque para o cenário nacional.
— O Rio de Janeiro foi a capital federal até 1960 e a vida política atraía grande movimento para os hotéis. Muitas festas eram realizadas nos salões do Glória. Era o hotel de luxo mais próximo do centro do Rio e isso o favorecia. No centro, estavam os grandes teatros e o Glória era um lugar de recepção para estrelas mais notáveis.
Bailes de Carnaval, com concursos de fantasia, se firmaram como tradição do Hotel Glória. Trinta e quatro edições foram realizadas até 2008, quando o hotel fechou as portas para reforma. No auge, foi frequentado por personalidades, como o carnavalesco Clovis Bornay.
Em 1950, a família Rocha Miranda, da geração dos fundadores, vendeu o hotel para os Tapajós. Após a mudança de proprietários, o Hotel Glória mudou de perfil. De acordo com Knauss, o espaço de entretenimento deu lugar aos negócios após a construção de um centro de convenções no local.
Para o historiador Milton Teixeira, o valor histórico do prédio se perdeu quando Eike fez um leilão da mobília do hotel.
— O Eike fez um leilão de prataria, mobília colonial brasileira, obras de arte de pintores franceses do século 19, porcelanas e vasos chineses entre os amigos dele.
Há quem conte ainda que um lustre de cristal do hotel encantou a cantora Madonna, em sua passagem em 2008, durante sessão de fotos. A Rainha do Pop teria feito uma proposta pela compra da peça, mas ganhou o mimo de presente do empresário. A história nunca foi confirmada oficialmente.