A notícia publicada no blog "O Cafezinho", do jornalista Miguel do Rosário, ganhou as páginas da Folha. Rosário deu um furo de reportagem ao noticiar que a Globo foi multada pela Receita Federal, em razão de irregularidades na compra dos direitos da Copa do Mundo de 2002. Para pagar menos impostos, a Globo havia simulado a compra de participações acionárias no exterior, numa operação capitaneada por José Roberto Marinho, um dos donos da emissora, que teve sua própria situação fiscal exposta no blog (leia mais aqui).
Nesta quinta (04.07), a Folha, que é sócia da Globo no jornal Valor Econômico, aborda o mesmo assunto com destaque, numa das manchetes do seu caderno de economia. A Globo, por sua vez, alega que seu sigilo fiscal foi quebrado.
A suposta sonegação fiscal da emissora dos Marinho foi um dos motivos que levaram cerca de mil pessoas a protestar, ontem, diante da sede da empresa, no movimento Ocupe Rede Globo.
Leia, abaixo, a reportagem da Folha:
Fisco multa Globo em R$ 274 mi por direitos da Copa de 2002
Para Receita, emissora disfarçou pagamento adquirindo empresa para se livrar de imposto
Imposto supostamente devido foi de R$ 183 mi; com correção monetária, valor chegou a R$ 615 mi
DE SÃO PAULO
A Receita Federal autuou a Rede Globo de Televisão por supostas irregularidades na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Os fiscais afirmam que a emissora usou uma empresa de fachada no exterior só para não recolher impostos no Brasil.
A Globo diz ter seguido a legislação, mas confirma ter pago a multa. A empresa não respondeu à Folha se fez o pagamento para obter descontos e, posteriormente, discutir a multa na Justiça ou se efetuou o pagamento, assumindo a infração.
A suposta manobra fiscal resultou em uma multa de R$ 274 milhões pelo não recolhimento de R$ 183 milhões em Imposto de Renda. Considerando a correção monetária até 2006, o total cobrado da Globo foi de R$ 615 milhões.
Segundo apurou a Folha, no sistema da Receita, o processo da Globo consta como "em trânsito". Isso significa que o pagamento pode ter ocorrido (à vista ou parcelado) e o cadastro da emissora não foi regularizado.
Ainda segundo apurou a reportagem, em 2002, a Globo declarou à Receita cerca de R$ 1,2 bilhão em investimento feito na compra de participação de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal.
Como a legislação tributária isenta investimentos de impostos, a Globo não tinha de fazer recolhimentos.
O problema é que, para os fiscais, a empresa nas Ilhas Virgens Britânicas era de fachada e só foi usada para intermediar o pagamento dos direitos dos jogos da Copa.
Por isso, a compra de participação nessa companhia teria sido uma simulação só para escapar da tributação no país. Negócios desse tipo são frequentes e as empresas se defendem dizendo que não é crime fazer "planejamento tributário" --operações com amparo legal para redução de imposto a ser pago.
Consultada, a Receita disse que o processo corre sob sigilo e que está investigando o vazamento das informações divulgadas inicialmente por um blog na semana passada.
ANTECEDENTES
A compra dos direitos da Copa de 2002 e 2006 pela Globo foi tensa. A emissora assinou contrato, em 1998, com a empresa ISL, que quebrou meses após o pagamento da Globo de US$ 60 milhões.
Em 2001, as negociações foram retomadas com a alemã Kirch, sucessora da ISL que assumiu os US$ 60 milhões já pagos pela Globo que estavam sendo cobrados novamente. Com o acordo, a emissora aceitou pagar US$ 440 milhões pelas duas Copas.
Em 2002, com a alta do dólar, que se aproximou de R$ 4, a Globo quis renegociar por considerar o valor "impagável". Ameaçou romper o contrato e, no final, a exclusividade foi mantida.
E também a posição da Globo:
Empresa diz que seguiu a lei e pagou imposto
DE SÃO PAULO
Por meio de sua assessoria, a Globo Comunicação e Participações, que controla a TV Globo, informou que não existe pendência tributária da empresa com a Receita referente à aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.
"Os impostos devidos foram integralmente pagos e todos os procedimentos deram-se de acordo com as legislações aplicáveis", diz a empresa em nota.
"A empresa discute a cobrança de tributos nas instâncias responsáveis, como é direito de todos os contribuintes, sempre seguindo os procedimentos previstos em lei. Nenhuma das cobranças discutidas atualmente refere-se à aquisição de direitos de Copas do Mundo."
A Folha enviou perguntas à emissora, pedindo esclarecimentos sobre o pagamento, a situação cadastral da empresa e a suposta irregularidade na compra dos direitos da Copa de 2002.
A Globo não quis comentar porque a "publicação de documentos relativos à sua situação tributária configura quebra de seu sigilo fiscal".