No mês de Agosto Lilás, dedicado à conscientização sobre o fim da violência contra as mulheres, temos que falar de uma triste realidade. Inúmeras histórias de violência começam com relacionamentos aparentemente perfeitos, mas terminam em agressões físicas, psicológicas, sexuais ou morte. As consequências dessa violência não são apenas físicas, mas também deixam marcas duradouras na saúde mental das vítimas.
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho, revelam que 18,6 milhão de mulheres sofreram algum tipo de violência no Brasil em 2022. Em Mato Grosso, os números são preocupantes. Os índices do Estado ultrapassam a média nacional em todas as formas de violência apresentada no anuário.
Esses dados não representam somente estatísticas, mas também existem histórias individuais por trás deles. Por isso, fomos atrás de algumas dessas histórias, não somente para tentar explicar as estatísticas, mas também para mostrar as dificuldades que as mulheres enfrentam aqui no Estado, simplesmente por serem mulheres.
Mato Grosso um Estado conservador e violento contra as mulheres
Mato Grosso é conhecido tanto nacional quanto internacionalmente por sua expressiva produção de grãos, especialmente soja, sendo um dos maiores produtores do mundo. Além disso, o Estado se destaca por sua postura conservadora, demonstrada nas duas últimas eleições, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) obteve melhores desempenho eleitoral. Também é importante mencionar que investigações indicaram que parte dos financiamentos para os eventos golpistas de 8 de janeiro teve origem em Mato Grosso.
É neste contexto conservador, que se insere as estatísticas de violência contra as mulheres. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referentes a 2022, apontam que Mato Grosso supera a média nacional em todas as categorias de violência contra mulheres.
No ano de 2022, os dados de violência contra as mulheres no Estado refletem uma situação preocupante. Foram registrados 101 homicídios de mulheres e 249 tentativas de homicídio. Em relação à média nacional de homicídios por 100 mil mulheres, que é de 3,9, Mato Grosso apresenta uma taxa mais elevada, chegando a 5,6. No que se refere às tentativas de homicídio, a média brasileira é de 7,4, enquanto em Mato Grosso é de 13,8. Além disso, 47 casos de feminicídio foram registrados no estado, com uma taxa de 2,6 por 100 mil mulheres, em comparação com a taxa nacional de 1,4.
Também ocorreram 11.415 casos de lesão corporal dolosa em situações de violência doméstica, resultando em uma taxa de 631,6 por 100 mil mulheres. As ameaças totalizaram 20.031 casos, com uma taxa de 1.108,4 por 100 mil mulheres, além disso, foram registrados 1.227 casos de perseguição e violência psicológica, com uma taxa de 76,9 por 100 mil mulheres.
Foram concedidas, pelos Tribunais de Justiça, 13.479 medidas protetivas de urgência, com uma taxa de 745,8 por 100 mil mulheres. As chamadas ao número 190, relacionadas à violência doméstica, somaram 3.111. Esses dados ressaltam a grave problemática de violência de gênero em Mato Grosso.
No entanto, por trás desses números, existem mulheres que enfrentaram as dolorosas realidades que essas estatísticas representam. As estatísticas não são apenas números, mas sim o reflexo de histórias humanas profundas. As vítimas de violência frequentemente persistem convivendo com seus agressores, enfrentando uma exposição contínua a agressões físicas e psicológicas.
Histórias de sofrimento: mulheres compartilham experiências de violência
A triste realidade da violência doméstica que atinge inúmeras mulheres em todo o mundo é um tema que demanda atenção. Muitas dessas mulheres carregam seus tormentos em silêncio, movidas pelo medo da morte. Apenas com o auxílio de pessoas solidárias conseguem se libertar dos agressores, quando têm a sorte de sobreviver.
Maria
Maria (nome fictício) suportou por 28 anos um relacionamento abusivo que deixou marcas profundas. As cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais, são consequências das agressões constantes que ela sofreu de seu ex-companheiro. A dor de Maria transcendeu suas próprias experiências, atingindo sua filha, que, angustiada, buscou ajuda policial para romper os grilhões que aprisionavam sua mãe.
O pesadelo de Maria não se limitou a ela; seu agressor também abusou de sua filha, gerando feridas emocionais profundas que ultrapassam as marcas físicas. Dessa violência, nasceu um filho rejeitado pela filha. Maria, mesmo diante de todos os desafios, cuida agora do neto de 12 anos, fruto do agressor que abusou de sua própria filha.
O agressor de Maria chegava a amordaçá-la e espancá-la, silenciando seus gritos desesperados para evitar que os vizinhos ouvissem. "Se você abrir a boca, eu rasgo sua barriga", ameaçava ele, riscando as paredes com uma faca como forma de intimidação.
Numa tarde, o agressor forçou Maria a subir na garupa de sua moto, levando-a a um matagal em Várzea Grande com a promessa de torturá-la. Diante de um histórico de torturas, Maria tomou uma decisão desesperada e se jogou da moto em movimento, sofrendo ferimentos sérios. Ao arrastar-se de volta para casa, ferida e frágil, os vizinhos acionaram a filha dela, que chamou a polícia. O agressor já tinha um mandado de prisão em aberto.
Conceição
Conceição (nome fictício) também encontrou coragem para escapar. Após ser agredida pela primeira vez, ela deixou a casa com seus três filhos pequenos. Estrangeira, aos 33 anos, ela não se resignou à violência. Um soco no rosto quebrou um de seus dentes, mas também quebrou seu silêncio.
Seguindo o conselho de sua mãe – "não deixe que te batam" – ela esperou até que seu marido dormisse, reuniu seus filhos e algumas roupas e caminhou até o ponto de ônibus. Sem dinheiro, pediu ajuda para chegar a Cuiabá, decidida a não retornar ao lugar onde vivia. Sua coragem é inspiradora, e ela se prepara para recomeçar, determinada a não voltar para seu país natal.
As histórias de sobrevivência de mulheres como Maria e Conceição destacam a importância da conscientização, educação e da formação de redes de apoio sólidas para as vítimas de violência doméstica. Elas também nos lembram do papel que todos nós desempenhamos na luta contra essa realidade terrível, encorajando mais mulheres a encontrarem a força necessária para trilhar o caminho da liberdade e da cura.
Apoio para reconstruir e superar a violência
As marcas emocionais deixadas pela violência são profundas e o processo de recuperação é um desafio árduo. No entanto, mulheres como Maria e Conceição têm a oportunidade de romper o ciclo do abuso quando encontram o apoio adequado.
Organizações dedicadas a acolher vítimas de violência oferecem não apenas abrigo físico, mas também recursos psicológicos, aconselhamento e orientação legal para auxiliá-las na reconstrução de suas vidas e na retomada do controle sobre seus destinos.
Tereza (nome fictício), responsável pela Casa de Amparo, compartilhou com o que as mulheres mais vulneráveis frequentemente enfrentam dificuldades significativas para deixar uma situação de violência, muitas vezes dependendo financeiramente de seus agressores. Ela explicou: "Aqui, oferecemos acolhimento e encaminhamento para que elas possam fazer cursos e se preparar para se libertarem dos agressores e terem uma vida normal. No entanto, sair dessa situação sem apoio é um desafio para elas."
Tereza também compartilhou sua própria experiência, destacando a importância do equilíbrio emocional necessário para lidar com tais situações. "Eu mesma passei por essa situação, mas um dia recebi ajuda e encontrei a coragem para deixar meu ex-marido. Saí de casa com minhas três filhas. Graças a Deus e ao apoio que recebi, consegui trabalhar, proporcionar educação para minhas filhas e hoje vivo em paz", revelou Tereza (nome fictício).
As histórias de superação e as organizações como a Casa de Amparo mostram que a solidariedade, o apoio e os recursos adequados podem desempenhar um papel importante na jornada de recuperação das vítimas de violência doméstica.
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