O servidor público Marcelo (nome fictício), de 41 anos, surpreendeu-se quando, no dia 8 de janeiro, recebeu uma chamada de vídeo da irmã, de 49, do saguão de um dos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
Ela havia viajado de uma cidade na serra gaúcha à capital federal para participar de atos golpistas.
Marcelo e parte da família são alinhados com pautas da esquerda e apoiaram a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No dia seguinte aos atos antidemocráticos, ele decidiu enviar um e-mail ao Ministério da Justiça denunciando a própria irmã.
O e-mail ao qual o UOL teve acesso relatava que a mulher participou de atos de depredação em Brasília. E terminava assim: "registro minha profunda tristeza por realizar denúncia do gênero contra familiar de primeiro grau. Trata-se de minha irmã".
Segundo ele afirma, a mulher não foi detida. Dias depois, Marcelo ainda não se encontrou com a irmã —e ela não sabe que foi denunciada por ele.
À reportagem, ele preferiu não se identificar, já que a situação tem deixado toda a família "desnorteada" e para evitar uma exposição da irmã que ultrapasse a esfera da apuração oficial. Poucos parentes souberam da denúncia, segundo conta.
Leia o relato:
"Minha irmã, que é servidora pública, disse que estava de férias e contou à família que viajou a Brasília 'a trabalho'.
Eis que, no domingo [dia 8 de janeiro], ela não apenas mandou no grupo da família no WhatsApp um vídeo dos ataques ao Congresso, como fez uma chamada de vídeo lá de dentro.
Eu estava assistindo ao vivo pela internet [à cobertura dos atos golpistas], quando recebi a ligação dela. Fiquei revoltadíssimo.
Depois que familiares a xingaram como se não houvesse amanhã, ela excluiu o vídeo [do WhatsApp] e ficou sem falar conosco até a manhã de segunda-feira. Voltou à nossa cidade como se nada tivesse acontecido.
'Não a reconheço mais'
Já sabíamos que ela tinha se enveredado por esse lado ideológico, mas jamais imaginaríamos que chegaria a esse ponto.
Minha irmã era uma pessoa trabalhadora, correta, íntegra. Mas ela se transmutou em 4 anos de uma forma que não a reconheço mais. Não a reconheço como irmã. É outra pessoa: mais endurecida, radical, obtusa.
"Houve alguma inflexão durante a vida da minha irmã e ela 'pegou gosto' por esse autoritarismo reacionário
Pelo menos desde o impeachment [de Dilma Rousseff, em 2016], temos uma série de atritos e ela sempre nos acusou de 'fanatismo político".
Na pandemia, me choquei porque ela defendia o kit covid, com cloroquina [sem eficácia contra a doença]. Tivemos uma briga pesada e ficamos um tempo sem nos falar.
Já nas eleições, ela fez campanha, bandeiraços, mas, até onde sei, não foi a quartéis nem participou dos bloqueios nas estradas.
A participação dela nos ataques em Brasília foi surpresa absoluta. Até minha sobrinha disse estar decepcionadíssima com a atitude da própria mãe.
"Meu sentimento transita entre a decepção e a tristeza profunda. Não defino como raiva, só tristeza mesmo.
Minha mãe, que sempre foi ativista pró-esquerda, está devastada desde então. Meu avô, pai dela, era comunista e chegou a ser preso pela ditadura logo depois do AI-5 [decreto que marcou o período de maior repressão e censura da ditadura militar].
'Mandei e-mail chorando'
Desde aquele dia, tenho acompanhado o máximo possível de postagens e assistido aos vídeos feitos pelos vândalos, para ver se ela está identificável em algum. Nada até agora.
A denunciei no e-mail do Ministério da Justiça e no do Ministério Público Federal. Infelizmente não consegui juntar vídeos, fotos ou prints. É apenas meu relato, mas, se solicitarem informações da companhia aérea ou dados de geolocalização do celular dela, encontrarão provas.
Mandei o e-mail de denúncia chorando. É uma sensação muito ruim, de fracasso, ver alguém do seu núcleo mais íntimo com esse perfil, travestido de um patriotismo fajuto.
Sei que isso pode trazer complicações para ela, até no trabalho. Mas crime não tem desculpa e é a Justiça quem tem de decidir.
Se eu tivesse visto um vizinho [em ato golpista], não iria denunciar? Acho que, assim como eu, muita gente por aí deve ter um familiar que tenha participado. Espero encorajar essas pessoas.
Como tenho perfil legalista, gostaria que minha irmã fosse de fato presa e indiciada. Só temo pela saúde emocional da nossa mãe. Quando ela soube que denunciei, ficou apavorada, sem saber o que vai acontecer. Mas eu disse: 'vamos aguardar'.
Fiz minha parte e espero que as autoridades façam a parte delas.
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