por Gaudêncio Torquato*
Falta uma semana para a onça beber água. O momento mais aguardado dos últimos tempos é o dia 2 de outubro, dia em que os esforços dos protagonistas da política serão testados nas urnas. Teremos a eleição mais paradigmática da contemporaneidade, eis que o processo envolve dois figurantes que despertam sentimentos de animosidade, conflitos entre eleitores, desavenças como nunca se viu.
O teor de polêmica que Jair Bolsonaro e Luis Inácio puxam na arena social é um dos mais elevados de nossa história, o que se pode constatar nas taxas de rejeição que seus nomes provocam. O presidente é rejeitado por 52% do eleitorado, enquanto Lula apresenta 39% de rejeição, um índice até maior que o da intenção de voto em Bolsonaro, segundo última pesquisa do Datafolha. Esses números, vale registrar, não significam necessariamente uma opção por uma candidatura de terceira via, cujos nomes, principalmente Ciro Gomes e Simone Tebet, ainda não bateram nos dois dígitos. O que pode haver é o aumento das abstenções, votos nulos e brancos.
Dito isto, vamos às observações. Pelo pouco tempo que os candidatos dispõem, parcela do eleitorado deverá votar de acordo com os gestos dos três macaquinhos: “não falo, não vejo, não ouço”. Será um voto às cegas.
Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é bom começar a providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá logo nas primeiras semanas do segundo turno, se houver.
A rejeição constitui uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação a determinados perfis. Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado.
O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e lembranças perpetuamente evocadas por nossas sensações atuais. Ou seja, a equação aceitação/ rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia. Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de candidato para candidato.
Sabemos que Bolsonaro, por sua índole militar e linguagem desabrida, criou grande distância de parte da sociedade, enquanto os abnegados fazem fila ao seu redor. Mesmo assim, consegue a adesão de 1/3 do eleitorado, firmando-se como liderança. Da mesma forma, Lula, ao longo da história do PT, também criou um universo paralelo, jogando contingentes eleitorais em outras searas. Nos últimos tempos, ensaiou aproximação ao centro ideológico, convidou o ex-tucano Geraldo Alckmin para compor a chapa como vice e, assim, diminuiu a rejeição ao seu nome.
Em São Paulo, Paulo Maluf, que sempre teve altos índices de rejeição, passou a administrar o fenômeno depois de muito esforço. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos, apesar de não ter conseguido alterar aquela antipática entonação de voz anasalada. Os erros e as rejeições dos adversários também contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se, também, pelos pecados mortais dos outros. Ruim por ruim, votarei nele, pensaram muitos dos seus eleitores.
A rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia, ao familismo e ao grupismo. O eleitor quer se libertar das candidaturas impostas ou hereditárias. Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos.
Certos perfis, mesmo não integrantes de famílias políticas, passam a imagem de antipatia, seja pela arrogância pessoal, seja pelo estilo de fazer política, ou pelo oportunismo que suas candidaturas sugerem. Em quase todas as regiões do País, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, estão querendo passar uma borracha nos domínios perpetuados.
Pesquisas qualitativas indicam as causas. Aparecerão questões de variados tipos: atitudes pessoais, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo familiar, valores como orgulho, vaidade, arrogância, desleixo nas conversas, cooptação pelo poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as demandas da sociedade.
O candidato há de montar no cavalo de sua própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos. É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e cosmetizar em demasia o presente. Mas é também grave erro persistir nos velhos hábitos. Mudar na medida do equilíbrio. Mudar sem riscos. Todo cuidado com mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.
*Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato
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