por Adriano Pitoli *
Entre 2004 e 2013 o país viveu um período glorioso para o consumo, principalmente para as classes de menor renda. Se o PIB já não havia feito feio, crescendo 4% ao ano, a renda das famílias expandiu-se ainda mais, 5,5% acima da inflação por ano, e o mais notável, o consumo cresceu a taxas chinesas de 7,8% ao ano.
Igualmente exuberante foi a intensa mobilidade social vivida no período e que esteve intimamente ligada a esse padrão de crescimento econômico. Em um período relativamente curto, de 2006 e 2012, nada menos que 3,3 milhões de famílias deixaram para trás a classe D/E, formando uma exuberante nova classe C.
De agora em diante, porém, tudo vai ser diferente e não é apenas por conta da grave crise econômica a que estamos assistindo.
Aquele crescimento extraordinário da renda, e principalmente do consumo, bem acima do PIB durante 10 anos seguidos, possibilitou níveis recordes de popularidade aos governos de plantão. Na verdade, isso só foi possível por uma conjugação extraordinária de fatores, mas que há tempos já vinham mostrando claros sinais de esgotamento.
Impulsionada pelo boom das commodities, os termos de troca brasileiros tiveram uma valorização de 30% entre 2004 e 2013, gerando um poderoso efeito riqueza que foi em grande parte apropriado pelas famílias via apreciação da taxa de câmbio. Desde 2014, no entanto, com o início da era das turbulências chinesas, a baixa das commodities já expropriou quase 80% dos ganhos acumulados no período do boom.
Com o fluxo de capitais a narrativa é parecida. Caindo nas graças dos mercados internacionais, o Brasil passou de uma capenga posição de exportador líquido de capitais em 2005 para o destino de US$ 100 bilhões ao ano. Pudemos nos dar ao luxo então de converter um superavit de 1,6% do PIB nas contas de bens e serviços com o exterior em 2005 para um deficit de 4,4% em 2014, mas que, ao ser empregado para financiar uma grande festa do consumo e pouco a ampliação dos investimentos, agora se mostra uma conta difícil de fechar.
Esse modelo de crescimento econômico puxado pelo consumo beneficiou principalmente as classes de menor renda. Dentre outras razões, porque são justamente esses setores voltados ao comércio varejista e a prestação de serviços os que mais empregam mão de obra de menor qualificação.
No entanto, diante da crise de confiança e da queda da renda das famílias que se abateu sobre a economia brasileira neste ano, são justamente tais setores que estão mais sentindo a recessão e, portanto, demitindo trabalhadores.
Mais que isso, em 2004 o mercado de trabalho se encontrava com elevado grau de ociosidade, com o desemprego em 14% –taxa que recuou para 5% em 2014–, permitindo que o crescimento econômico nos 10 anos seguintes (de 4% ao ano, em média) fosse alavancado por um aumento vigoroso do emprego (de 2,3% ao ano, em média).
Neste final de 2015 o desemprego já se deteriorou, voltando para a faixa dos 8%. Uma retomada cíclica só é possível se e quando a governabilidade e a confiança do consumidor saírem do fundo do poço, e será apenas um voo de uma galinha velha e baleada.
Também servindo de combustível para o boom do consumo, em 2004 o endividamento das famílias se encontrava muito baixo (22% da renda anual), fundamentalmente porque a maior parte das famílias simplesmente não dispunha de acesso ao mercado de crédito. Dez anos depois de o crédito para pessoa física acumular crescimento de 16,3% ao ano, o nível de endividamento havia saltado para 59% –que se não chega a ser alarmante, mas também mostrava claramente que a festa havia acabado.
Para completar a receita miraculosa, houve uma forte expansão dos gastos com programas sociais, também beneficiando principalmente as famílias de menor renda. Entre 2004 e 2013, enquanto a renda do trabalho já mostrou forte crescimento, de 5,0% ao ano, a renda de benefícios previdenciários do INSS cresceu 7,1% ao ano, e os benefícios do Bolsa Família, 10,5% acima da inflação.
Agora, porém, com as finanças públicas em frangalhos, fica mais que evidente que o governo não dispunha de um projeto sustentável para seus tão festejados programas de transferência de renda.
Vê-se, portanto, que, em completo contraste com esse período virtuoso, em 2015 estamos vivendo uma super-ressaca do consumo que deve se estender ao menos até 2016. Nesses dois anos, enquanto o PIB já deve mostrar uma aguda recessão, com um tombo de 2,6% em média a cada ano, a renda das famílias deve cair em média 3,4%, e o consumo, 6,8%. Já a mobilidade vem dando marcha a ré, sendo que até 2017 deveremos assistir pelo menos 3 milhões de famílias fazendo o duro caminho de volta à classe D/E.
Só nos resta esperar e torcer para que algum elemento externo ou alguém nos ajude a encontrar a rota de fuga desse fosso que o país foi jogado, o que passa necessariamente por uma recuperação da confiança e esta, pelo restabelecimento de padrões mínimos de governabilidade.
A partir daí, o país terá que trilhar uma longa e dura caminhada para só então retomar um processo vigoroso de mobilidade social que permanece tão urgente quanto antes, mas que exigirá mais pessoas trabalhando e estudando e menos aposentadas e, ao mesmo tempo, uma economia mais aberta, competitividade e sem privilégios aos amigos do rei.
Adriano Pitoli é Diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências. Mestre em economia pela FEA-USP, com graduação pela mesma Universidade..
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