por Carolina Carvalho Carvielli*
Há alguns dias o Superior Tribunal de Justiça analisou o Habeas Corpus nº 703.978 e deliberou colegiadamente acerca da possibilidade do que chamamos de silêncio seletivo do acusado no âmbito do Processo Penal.
O caso em comento diz respeito a situação em que um acusado anunciou em audiência que apenas responderia às perguntas intentadas por seu advogado, e se silenciaria no que tange aos questionamentos emitidos pelo Órgão Ministerial.
Após o acusado declarar que atuaria com base no silêncio seletivo, o juiz que presidia o ato optou por encerrar o procedimento sem abrir espaço para as questões da defesa, sob o argumento de que não poderia o acusado selecionar as perguntas que responderia. A questão foi analisada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que denegou a tese acerca do cerceamento de defesa.
O tema chegou até a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que com muita coerência destacou a constitucionalidade do silêncio seletivo. O Relator Olindo de Menezes fez questão de analisar que o Código de Processo Penal deixa claro que, após formuladas as perguntas, o réu pode ou não responder.
Ademais, não devemos esquecer que o interrogatório do acusado tem natureza primordialmente de meio de defesa, no qual inclusive a Constituição Federal assegura a possibilidade permanecer em silêncio. Como meio de autodefesa, o próprio Superior Tribunal de Justiça em situações anteriores já havia entendido que seu exercício deve ocorrer de modo livre, desimpedido e voluntário (REsp 1825622/SP).
A constitucionalidade do silêncio seletivo é gritante se analisarmos o princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual nenhuma pessoa deve ser obrigada a produzir prova contra si mesma ou declarar-se culpada, nos moldes do artigo 5º, LXIII da Carta Magna.
Além da previsão Constitucional, o princípio citado acima encontra guarida em dois instrumentos internacionais sobre direitos humanos sobre direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil, sendo eles o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Com todo o aparato Constitucional e Convencional, como dizer que o silêncio seletivo do acusado não encontra respaldo legal?
Os questionamentos acerca da constitucionalidade são frutos de uma cultura inquisitória do processo penal brasileiro e que deve ser desmistificada cada vez mais. O sistema acusatório encontra-se expresso na lei e devemos colocá-lo em prática, gostando ou não.
O réu é sujeito de direitos e não mero objeto de investigação. A ampla defesa, exercida prioritariamente no ato do interrogatório, consiste em instrumento exclusivo do acusado para afastar a acusação estatal, valendo-se dos mecanismos legais disponíveis para preservar seu estado de inocência.
Após a decisão colegiada no Habeas Corpus nº 703.978, podemos garantir que, além da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais e dos dispositivos do Código de Processo Penal, o Superior Tribunal de Justiça também admite a possibilidade de que o acusado responda apenas os questionamentos intentados pela defesa.
*Carolina Carvalho Carvielli é advogada sócia da área penal do Vigna Advogados. Especialista em Direito Penal pela Universidade Arnaldo, umas das mais respeitadas de Belo Horizonte.
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