por Janaína Capobianco*
Na semana do dia 20 de setembro sonhei com a UFMT, o que não é incomum, e no sonho apareciam amigos e, em especial, o Segura. Quando acordo, sempre fica aquele resquício do sonho, entre coisas boas e outras não e, nesse meio tempo, ao pegar o telefone móvel, soube da notícia da morte desse homem marcante pra mim, por mensagem da minha irmã.
Eu que estava viajando a passeio e com isso me sinto em um estado diferente, talvez mais sensível, lamentei, relembrei coisas e me emocionei, pensando no aspecto aliviante da morte (a gente repudia e deseja ela), e desejei pra ele, uma boa viagem.
E eu que quase não falo, ou escrevo publicamente, quis escrever para registrar coisas dele que me tocaram nos mais de 15 anos de convivência que tivemos na universidade, que penso ser interessante ficarem vivas, não apenas na minha memória individual.
Eu era uma outsider, uma pau rodado, do interior de São Paulo, cursando jornalismo. Ele, da região de Sorocaba, Cerquilho, interior de São Paulo, também. Fui saber anos mais tarde. Mas ele acolhia com o olhar. Na semelhança, na diferença, na postura mais linda de um docente: se posicionar com seu saber, mas despido de convicções absolutas, tendo a sala de aula como laboratório vivo de trocas e aprendizados diversos e cotidianos.
Mais tarde, eu uma moça de 25 anos, nos tornamos colegas de departamento. E o Segura era o mesmo, sendo eu aluna ou professora. Fora da sala de aula, no saguão ou numa reunião de departamento, ele sempre lá, vivo, autêntico, inteiro. Cheio de personalidade, na aparência às vezes áspera e jeito direto, acolhedor e amoroso, o que ficava explícito na face, no sorriso sincero (nunca forçado) e jeito de olhar.
Eu acho que ele sentia as pessoas. Sabia quando eu estava triste. E sempre, discreto, com jeito, já que eu sempre fiz a durona, tinha uma palavra aliviante. Combativo e firme quando precisava, mas sempre amoroso. Lembro dele, no saguão do Instituto de Linguagens, me falando da necessidade de amorisar. Amorisar seria olhar e se posicionar diante das pessoas e situações de uma maneira um pouco mais amorosa. Acho que num sentido de temperança, de temperar… nunca esqueci.
O lado firme, combativo, explícito em uma aula onde se discutia a necessidade do jornalismo ouvir “os dois lados” ou “todos os lados”, já que nem sempre são apenas dois. Ele parou, fumando e olhando pela janela da sala de planejamento gráfico e disse: "às vezes sinto que nessa de outro lado, ou muitos lados, estamos dando palanque pra malandro”.
Simplismos e fórmulas prontas não encontravam espaço com ele, um grande apreciador da simplicidade. Mandava a gente ler “Sabrina” pra ver se aprendíamos um pouco sobre linguagem simples. Nessa de narrativas gostosas, emprestei pra ele uma vez o livro Vergonha dos pés, da Fernanda Young. Com o livro na mão pra me devolver, no saguão me falou que tinha adorado a narrativa humana e clara, sua filha também. Fiquei feliz e disse:"fique com o livro”.
Bom, por fim, uma máxima mais linda desse homem humano tão marcante pra mim. Alguém tentando marcar uma data, um evento com ele, disse: pode ser tal dia a noite? Ele: "a noite não posso, tenho compromisso". Eu: "nenhuma noite? Qual compromisso?" Ele: "ficar com a minha família”.
Talvez as pessoas que mais nos marquem sejam aquelas que de alguma forma conseguem trazer um convite a despretensão. Elas oferecem um ponto de luz, de retorno ao centro, de lembrança de que apesar de complexa e desafiadora, a vida pode ser simples, de que não somos tanta coisa assim.
A vida é breve. Mas quem deixa rastro, é eterno. Que bom que no meu sonho, entre coisas boas e ruins, ele estava nas boas. Espero nos sonhos alheios aparecer como lembrança boa também.
*Janaína Capobianco é jornalista pela UFMT e doutora em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo
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