por Matheus Pichonelli*
O presidente Jair Bolsonaro (PL) usou a tribuna da Assembleia Geral da ONU para enviar uma série de recados ao público interno. Tem sido assim nos últimos quatro anos. Neste, a novidade é que o discurso político veio embalado com o selo de propaganda eleitoral. Funciona mais ou menos assim: entre inúmeros dados que passarão o dia sob escrutínio das agências de checagem e um verniz de chefe de Estado orientado pelo Itamaraty, Bolsonaro tradicionalmente tem usado os holofotes do evento para ampliar em alguns níveis geográficos o seu cercadinho do Planalto – sem risco, ao menos ali, de ser confrontado por perguntas incômodas.
A qualificação da plateia, obrigada a assistir à performance mesmo se o interlocutor levasse para lá um show de bonecos de mão, garante um certo prestígio à imagem que o presidente, agora candidato à reeleição, quer mostrar para o único público que lhe interessa: o que vai às urnas em 2 de outubro.
Não é por outro motivo que, a menos de duas semanas para as eleições, Bolsonaro reservou parte de sua fala para cutucar o seu principal adversário.
Ele jurou de pé junto que seu governo promoveu um novo modelo de governança na Petrobras para dizer que os tempos de corrupção ficaram no passado. Ele afirmou que a petrolífera sofria com prejuízos, endividamento, má gestão, desvios e loteamento político nos tempos em que a esquerda governava o país. Faltou dizer que entre os investigados na época estavam lideranças dos partidos que compõe a sua base de governo. Nenhum partido teve mais dirigentes acusados, por exemplo, do que o PP, partido de seu neoaliado Arthur Lira, e peça-chave de sua coalizão.
Sem citar nomes, Bolsonaro, afirmou que o “responsável por isso foi condenado em três instâncias, por unanimidade”. Faltou dizer que as condenações foram anuladas depois que veio a público uma série de mensagens que mostravam a parcialidade de um juiz em contato permanente com os procuradores responsáveis pelo caso.
Por alguma razão, o presidente evitou mostrar que, em seu governo, a mesma estatal foi aparelhada e teve seu comando trocado e “destrocado” diversas vezes para atender suas ordens para abaixar o preço dos combustíveis em ano eleitoral.
Bolsonaro não estava lá para falar verdades, mas as verdades convenientes a seu discurso político e eleitoral. Dessa vez, ao menos, poupou os ouvidos do mundo da sua versão "anunciante de remédios" que não salvaram ninguém da Covid.
Um aspecto interessante da postura é quando, sob orientação dos técnicos que ainda o cercam, ele resolve falar de números a respeito da preservação ambiental no país —um legado histórico que ele tem se empenhado em destruir ano após ano.
Em campanha, o presidente e seus apoiadores têm tentado de todo custo demonizar seus adversários dizendo que, caso sejam eleitos, a liberdade religiosa estará em risco no país.
Bolsonaro repetiu a cantilena junto a seu slogans de campanha baseados nas palavras “pátria”, “família” e “liberdade”. Reafirmou que seu governo defende a vida desde a sua concepção, repudia a “ideologia de gênero”, um bicho-papão que só habita cabeças como as dele, respeita as famílias e incentiva a legítima defesa. Não contou, é claro, que o liberou-geral nas leis de posse e porte de armas está empurrando grupos criminosos disfarçados de caçadores a comprarem o seu próprio arsenal.
Visando responder à ampla rejeição do eleitorado feminino, apontado em todas as pesquisas de intenção de voto, o presidente usou o palanque improvisado para dizer que seu governo instituiu uma série de normas em defesa das mulheres. Enquanto ele e seus seguidores mais fanáticos agridem, ofendem e constrangem mulheres que ousam fazer perguntas que os desagradam, o presidente pediu socorro à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo o palestrante, ela “deu um novo significado ao trabalho de voluntariado” no Brasil.
Menos mal que dessa vez ele não pediu para a plateia comparar as virtudes das candidatas a primeira-dama em campanha. Nem chamou a companheira para beijá-la em público e referendar a suposta virilidade vendida aos gritos de “imbrochável”.
Nem tudo no bolsonarismo dá para ser traduzido para o mundo em tempo real.
*Matheus Pichonelli é jornalista e escreve para o Yahoo
Brasil unido pelo Rio Grande do Sul
Entre no grupo do VGNotícias no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).