por João Edisom de Souza*
As investigações e os julgamentos envolvendo o ex-presidente Lula mexeram com os nervos de uma parte significativa dos brasileiros nos dois extremos. A parte mais feia destes sentimentos veio a tona e o gosto de sangue na boca é evidente, até porque paixão, traição e vingança possuem os mesmos laços sanguíneos e são umbilicalmente ligados.
Justiça e vingança são coisas diferentes, mas nem sempre andam separadas. Por muitas vezes esses conceitos se misturam e aí não sabemos mais onde prevalece o sentimento de justiça ou o sentimento de vingança.
Lula foi o único presidente brasileiro oriundo do povo, com cara de povo e discurso de povo. Parafraseando ele mesmo, ”nunca antes na história” tivemos alguém a frente da nação com tais características: operário, sindicalista, semianalfabeto dos bancos escolares, tendo um dedo mutilado, conta bancária e biotipo de povo sofrido.
Lula errou! Foi seduzido pela corte, tornou-se amigo daqueles que tanto criticou, comeu na mesa dos corruptores e ao sair do exercício presidencial desejou e se lambuzou no “ouro” da corrupção para viver como os nobres que serviu um dia de vidraça na sua própria retórica eloquente de busca do poder.
E com a finese e elegância da nobreza não se brinca. E nada mais “fino” que o cume dos poderes constituídos, roupas com assinaturas, bebidas caríssimas, gestos controlados e palavras medidas. Não há espaço para cheiro de suor e cachaceiros. A monarquia saiu do Brasil, mas a corte não saiu de dentro do brasileiro. E não é uma questão de classe social.
Lula queria tornar-se um igual, mas a corte não o recebeu porque nunca tinha aceitado sua presença, apenas o suportou enquanto era conveniente. A cultura da “casa grande” não aceita “ladrões” que não possuem sobrenome nobre. Certo está José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe Mujica, um agricultor uruguaio que passou pela presidência de seu país e retornou ao seu lar com o mesmo patrimônio e sem a empáfia de pai dos pobres, ou de um salvador da pátria.
Assim como Lula, Mujica também não foi aceito pela nobreza uruguaia, mas também não se misturou a eles e nem desejou estar entre eles. Governou com os seus e voltou aos seus assim como antes e por isso há quem não goste, mas não há quem odeie de morte.
Lula não é o primeiro político brasileiro de alto escalão a se envolver em corrupção, nem será o último. Embora o Judiciário venha dando sinais de mudanças, afinal temos de Odebrecht a Cunhas, Batistas e Cabrais no xilindró, gente graúda, mas também sabemos que os Temers, Aecios, Renans, Jucás e etc. andando a solta e mandando no país.
O ódio das cortes por eles, os “nobres” envolvidos, não são nas mesmas proporções. Talvez é porque a mão da justiça que julga a senzala, e aqui no caso corretamente, não tenha a mesma agilidade e correção quando o criminoso vem da casa grande e tem sangue azul.
Por isso que apesar de acreditar que seja necessário a prisão de todos os corruptos e ter convicção que Lula está envolvido até o pescoço e por isso tem que pagar, acredito também que sua prisão não vai alterar em nada os modus operandi da cultura nacional.
O que vejo é gosto de sangue boca: de um lado os que acreditam que corrupto “amigo meu” não comete erro e confundem roubalheira com inteligência (esperteza), por isso vira ídolo, e do outro os que acreditam que quem não nasceu para ser nobre, se tiver oportunidade e não se moldar, tem que morrer. O Brasil tem que ser maior que isso. Tem que ser maior que seus extremos, mas para tal precisamos que a população seja melhor. Mais justiça, menos vingança.
Não se trata de absolver ou inocentar Lula. Ele não tem defesa, deve pagar pelos seus erros, pois estão evidentes seus erros. Se trata de não usarmos a mesma régua e o mesmo peso a todos os homens públicos indistintamente. Os tempos de selvageria estão abertos para as próximas eleições. Assim como Epicuro afirmava que “a justiça é a vingança do homem em sociedade como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”. Não é perceptível a justiça, tudo parece vingança. Há gosto de sangue na boca.
*João Edisom é professor e sociólogo
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