por Edina Araújo*
A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) representou um marco na legislação brasileira ao estabelecer critérios mais rigorosos para a elegibilidade de candidatos. Instituída como resultado de um projeto de lei de iniciativa popular, a norma mobilizou diversas entidades da sociedade civil, incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), organizações não governamentais (ONGs), sindicatos e a Igreja Católica. Coordenada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a iniciativa contou com a coleta de mais de 1,6 milhão de assinaturas, superando o mínimo necessário para sua apresentação ao Congresso. A campanha teve início em 2008, impulsionada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e visava barrar a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça, reforçando a ética e a transparência na política brasileira.
O principal objetivo da Lei da Ficha Limpa é impedir que indivíduos condenados por crimes graves concorram a cargos eletivos por um período de oito anos, fortalecendo a moralidade na política. A criação da norma foi impulsionada por uma ampla mobilização da sociedade civil, que pressionou o Congresso Nacional a adotar regras mais rígidas para evitar o retorno rápido de políticos com histórico de corrupção ou abuso de poder ao cenário eleitoral.
Contudo, recentemente, um projeto de lei apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) propôs a redução desse período de inelegibilidade para apenas dois anos. A medida gerou intensos debates. Para os críticos da proposta, se trata de uma mudança de caráter casuístico, que beneficiaria diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em razão de condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Esses críticos sustentam que a alteração comprometeria a credibilidade da legislação e demonstraria um uso oportunista das regras eleitorais.
A discussão ocorre em um contexto preocupante para a percepção da corrupção no Brasil. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2024, divulgado em 11 de fevereiro pela Transparência Internacional, o país obteve sua pior nota da série histórica desde 2012. Com apenas 34 pontos, em uma escala de 0 a 100, o Brasil ficou abaixo da média das Américas (42 pontos) e da média global (43 pontos). Esse dado sugere uma crescente percepção de impunidade e o enfraquecimento dos mecanismos de controle e combate à corrupção.
A proposta de alteração da Lei da Ficha Limpa encontrou resistência não apenas entre adversários políticos, mas também dentro do próprio campo bolsonarista. Nas redes sociais, eleitores e apoiadores de Bolsonaro demonstraram desconforto com a medida, apontando a contradição entre o discurso anticorrupção, amplamente defendido durante as campanhas, e a tentativa de flexibilização das regras quando há interesse próprio envolvido. Além disso, dentro do Partido Liberal (PL), legenda à qual Bolsonaro é filiado, parte dos deputados manifestou preocupação com o impacto da proposta na imagem do partido.
Do ponto de vista jurídico, a flexibilização da Lei da Ficha Limpa levanta questões relevantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes já alertou que mudanças legislativas para beneficiar ou prejudicar uma pessoa específica são inconstitucionais, pois violam o princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Assim, qualquer alteração que tenha como objetivo favorecer um indivíduo específico pode enfrentar questionamentos no Poder Judiciário.
Defensores da proposta alegam que a atual legislação é excessivamente rígida e que a inelegibilidade por oito anos pode representar uma punição desproporcional em alguns casos. Além disso, argumentam que a Lei da Ficha Limpa tem sido aplicada de forma seletiva, atingindo determinados grupos políticos com maior intensidade. Por outro lado, críticos sustentam que a norma tem sido aplicada de maneira ampla e equitativa, alcançando políticos de diferentes espectros ideológicos e garantindo a moralidade no processo eleitoral.
A decisão sobre a eventual flexibilização da Lei da Ficha Limpa cabe ao Congresso Nacional, que deverá avaliar se a mudança atende ao interesse público ou representa um retrocesso no combate à corrupção. De qualquer forma, o debate sobre a proposta é fundamental, pois evidencia a necessidade de reforçar a transparência e a integridade no cenário político brasileiro, evitando que mudanças legislativas atendam a interesses pessoais.
*Edina Araújo, jornalista e diretora do Portal VGNOTICIAS
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