por Vicente Vuolo*
Depois de mais de quatro anos na geladeira, o relatório sobre a proposta que acaba com a prerrogativa de os políticos serem julgados em instâncias superiores entra na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.
Apresentada originalmente em 2012, pelo Senador Álvaro Dias (PV-PR), a proposta prevê que, em casos de crime comum, qualquer autoridade passará a ser processada, automaticamente, pelo juiz de primeira instância. A única exceção será para o presidente da República, que deverá ter o encaminhamento do processo aprovado preliminarmente pela Câmara dos Deputados.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) é o relator da PEC contra o privilégio. O senador da Rede afirmou que originalmente o foro foi criado para preservar políticos em casos de voto, palavras ou opiniões. Mas tornou-se algo anacrônico no Brasil. Segundo ele, “o foro privilegiado acabou sendo deturpado e transformou-se em um instrumento de protelação judicial e obstrução de justiça”.
Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a lentidão do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar ações criminais contra políticos com foro privilegiado favorece a impunidade. Pasmem! O tempo de julgamento de uma ação penal contra um político processado no Supremo Tribunal Federal aumentou 23 vezes entre 2002 (quando a Corte passou a não depender mais de autorização do Congresso para julgar parlamentares) e 2015.
A Fundação Getúlio Vargas apurou ainda, que os processos criminais cresceram assustadoramente, principalmente, com a Operação Lava-Jato. Em 2002, quando passou a valer de fato, foram 91 casos novos no tribunal, sendo 79 inquéritos e 12 ações penais. Em 2015, quando a Operação Lava-Jato chegou ao STF, foram 298 casos novos, sendo 233 inquéritos e 65 ações criminais. Ou seja, houve um incremento de 113% no número de investigações preliminares de ações penais em 2014.
De acordo com levantamento feito pelo Ministro Luís Roberto Barroso, uma denúncia na primeira instância é aceita 88 vezes mais rápido do que no Supremo. A demora, em média, é de mais de 600 dias para aceitá-la. A morosidade faz com que vários casos prescrevam: de 2013 a 2015, o Supremo Tribunal Federal arquivou pelo menos 290 inquéritos. Destes, 63 foram por prescrição.
Como vimos, o fim do foro privilegiado é necessário. É bom para a democracia. É bom para a classe política que precisa melhorar a sua imagem para a sociedade, hoje bastante desgastada. A sociedade deseja mais transparência e igualdade de tratamento. Deve ser atendida e respeitada. A ideia de impunidade incomoda e compromete a democracia.
Contudo, não podemos cair no erro de deixar totalmente desregrada a situação de foro natural para políticos e gestores públicos. O Ministro Barroso chegou a sugerir a criação de uma Vara Especial, talvez nem precise chegar a tanto, mas que somente se evite que um ex-parlamentar ou ex-gestor seja alvo de processos em inúmeros tribunais ou foros. Isso poderia ser usado como arma contra políticos que não têm fortunas para gastar com advogados que possam responder por denúncias em várias cidades ao mesmo tempo.
Há soluções para isso, sem que se necessite manter o foro especial como existe hoje, que acaba acarretando situações recorrentes de prescrição de processos por falta de julgamento. Por exemplo, o deputado Paulo Maluf, campeão em processos de corrupção, tem seis processos abertos no Supremo, que correm em segredo de justiça há 15 anos sem julgamento. Tudo feito às escondidas e sem prazo para terminar. Certamente será mais um caso de prescrição e de impunidade. Isso sim fere a democracia de morte e abala a fé da sociedade no Judiciário.
É hora de mudança! Esta é mais uma oportunidade para mudar. A sociedade tem direito de exigir o fim desse privilégio.
Vicente Vuolo é economista, cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
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