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Artigos Quinta-feira, 31 de Agosto de 2023, 14:16 - A | A

Quinta-feira, 31 de Agosto de 2023, 14h:16 - A | A

Juacy da Silva*

Dia da Amazônia e o tempo da criação

por Juacy da Silva*

“Além do desmatamento, 38% da floresta amazônica é afetada por outras formas de degradação ambiental” Título de reportagem da BBC Brasil, em 16 de Janeiro de 2023. Isto, no caso da Amazônia legal significa uma área de 2,104 milhões de km ou 201.400 milhões de ha, incluindo áreas usadas por atividades agricolas, pecuária, florestal e, também, áreas já desmatadas e que estão degradadas.

Matéria veiculada no Jornal El País em 10 de setembro de 2020 destacava que “A Amazônia degradada já é maior que a desmatada A área de selva alterada por extração de madeira ou fogo superou a desmatada nas últimas décadas”.

Segundo estudo publicado na revista Science, entre 1992 e 2014 desapareceram 308.311 km². Os autores do estudo estimam que a porção da floresta amazônica degradada já superou os 337.000 km². Ou seja, a superfície empobrecida excede a afetada pelo desmatamento. E se este provoca o desaparecimento da floresta e de todas as funções associadas, o empobrecimento também tem suas consequências: liberação de gases do efeito estufa, alteração do equilíbrio da água e dos nutrientes, queda da biodiversidade e surgimento de doenças infecciosas.

Se considerarmos que nos 7 anos dos governos Temer e Bolsonaro, tendo em vista o sucateamento da política ambiental, ocorreu um avanço na destruição e degradação ambientais no Brasil, principalmente na Amazônia Legal, a realidade deste processo é muito maior e mais grave do que em 2014, cujos danos ecológicos são irreversíveis.

Celebrar o DIA DA AMAZÔNIA é fundamental para que compreendamos que destrui-la, degradá-la ou explorá-la de forma insensata e irracional como está acontecendo atualmente, afeta não apenas os países que fazem parte da Pan-Amazônia, mas o Planeta Terra por inteiro, afinal, sempre é bom relembrarmos o que nos diz a Laudato Si (Papa Francisco) “tudo está interligado, nesta Casa Comum” e também o que nos exortou Victor Hugo há séculos quando disse “É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve”.

Tempo da Criação significa que, além de orarmos, rezarmos pelo cuidado e pela saúde do planeta que está extremamente doente, é também, tempo de escutarmos mais atentamente a voz da natureza que nos pede desesperadamente socorro!

Neste 05 de Setembro, vamos ouvir com a devida atenção e respeito o que a Amazônia está querendo nos dizer, antes que seja tarde demais!

Estamos iniciando o TEMPO DA CRIAÇÃO, que vai de 01 de Setembro ate 04 de Outubro próximo, que será o Dia de São Francisco de Assis, o Dia da Ecologia, o Dia da Natureza e o Dia dos animais.

O Tempo da Criação é, na verdade, um tempo de ORAÇÃO, mas não apenas de oração pelo Cuidado com as obras da Criação, mas, também , como enfatiza a Coordenação mundial do MOVIMENTO LAUDATO SI, um TEMPO para AÇÕES DE SUSTENTABILIDADE e mais do que nunca, um Tempo de MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA, tempo de denunciarmos as Injustiças socioambientais e climáticas, a degradação dos biomas e ecossistemas e todas as crises socioambientais geradas pela irracionalidade humana.

Este Tempo da Criação é, na verdade um momento de refletirmos sobre os paradigmas dos atuais modelos econômicos, políticos e sociais que estimulam a economia da morte, do consumismo desenfreado, do desperdício e do descarte.

Este é o tempo para refletirmos e lutarmos por uma economia solidária, uma economia verdade, por uma economia realmente sustentável, é o tempo de buscarmos “realmar a economia”, darmos corpo e forma `a Economia de Francisco e Clara, como tem enfatizado o Papa Francisco em suas constantes exortações, inclusive na segunda parte da Laudato Si que está elaborando e, em breve, deverá ser publicada.

Tempo da criação é também TEMPO DE CONVERSÃO ECOLÓGICA, tempo de reconhecermos que além dos crimes ambientais praticados diuturnamente, esta destruição insensata da natureza é também PECADO ECOLÓGICO, cometido por muitas pessoas que se dizem cristãos e que diante das catástrofes, como secas, tempestades, furacões e outros desastres naturais, em cujas causas estão as ações humanas, imploram aos desus e aos céus por milagres ambientais!

Exatamente neste TEMPO DE CRIAÇÃO, no Brasil temos algumas datas importantes que já constam do Calendário das celebrações ambientais ou da ECOLOGIA INTEGRAL, a exemplo de 05 de Setembro que é o DIA DA AMAZÔNIA e 11 de Setembro que é o DIA DO CERRADO, outro bioma tão ou mais em processo acelerado de degradação e destruição do que a própria Amazônia.

Como cristãos (católicos ou evangélicos) ou mesmo não cristãos, precisamos ter a consciência de que somos “cidadãos e cidadãs” do mundo e, como nacionais, somos também contribuintes, consumidores, produtores de bens e serviços e eleitores.

Diante disso, não podemos apenas professar uma fé abstrata, desligada da realidade temporal e terrena em que vivemos, de forma alienada e alienadora, mas, sim, assumirmos nossos compromissos com o bem comum, com o bem viver dos povos, com a solidariedade, com a sustentabilidade, com a justiça, inclusive coma Justiça social, Justiça ambiental/climática e a Justiça inter-geracional, e isso tudo nos obriga a zelarmos pela natureza e não destrui-la ignorando os limites do planeta em que vivemos e que a cada dia está mais ameaçado pelas nossas ações irracionais e imediatistas.

Assim, já neste início do TEMPO DA CRIAÇÃO, além de nossas orações pela SAÚDE DO PLANETA, precisamos refletir sobre o que está acontecendo na Amazônia Legal, da qual fazem parte os Estados de Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Pará, parte do Maranhão e o Tocantins.

Existem inúmeros problemas e desafios que afetam o Bioma Amazônia, tanto no Brasil quanto nos demais países que têm parte da Amazônia em seus territórios, incluindo: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.

Mesmo que em termos geopolíticos cada país exerce sua soberania nacional sobre todo o seu território, cabe-nos entender que a PAN AMAZÔNIA, como um bioma ou ecossistema único, tem uma dinâmica ecológica e sócio-cultural e demográfica que extrapola as fronteiras nacionais.

As repercussões da destruição da biodiversidade, do desmatamento, da poluição decorrente das queimadas ou dos processos de uso e ocupação do solo de forma intensa, ouso e abuso de agrotóxicos, o aumento constante de áreas degradadas, a grilagem de terras, o contrabando de madeira, minério, principalmente ouro e outros minerais estratégicos, a contaminação dos rios pela mineração e pelos garimpos ilegais, a extinção de povos e culturas primitivas (povos indígenas), tradicionais/quilombolas e ribeirinhos, além da alteração do regime de chuvas e o equilíbrio do clima, tudo isso produz diversas consequências políticas, econômicas, sociais, culturais e demográficas, que extrapolam o conceito de soberania nacional.

A área da Pan Amazônia, que abrange parte dos territórios do Brasil e de outros países e territórios sul americanos é de 7,8 milhões de ha, cabendo ao Brasil 67,8% deste imenso bioma, ou seja a Amazônia legal (brasileira) tem 5,3 milhões de ha, e representa 59% do território brasileiro, demonstra a importância desta imensa região, tanto para o Brasil quanto para a América do Sul e para o mundo.

A Amazônia Legal foi criada pela Lei 1806/53, durante o Governo Getúlio Vargas, em 05 de Janeiro de 1953, há pouco mais de 70 anos, quando foram estabelecidos diversos parâmetros para o desenvolvimento e integração desta vasta região do território brasileiro.

Ao longo dessas sete décadas diversos programas e projetos foram criados e extintos, inúmeras obras públicas, principalmente rodovias foram implementadas facilitando tanto as migrações internas no Brasil, rumo `a Amazônia Legal quanto abrindo, também, oportunidades para aventureiros que ao longo deste tempo vem destruindo, degradando e malbaratando os recursos naturais da região.

A questão amazônica tem estado no centro dos debates tanto em foruns nacionais quanto internacionais, gerado inúmeras polêmicas e conflitos quanto ao presente e, principalmente, ao futuro desta região.

Em relatório recente a ONG WWF-Brasil destaca uma lista de aspectos relevantes, problemas e desafios que estão presentes na Amazônia, principalmente na Amazônia Legal, entre os quais mencionamos: 1) manejo florestal e a valorização dos usos das florestas, ou seja, a floresta em pé tem mais valor do que quando destruida; 2) unidades de conservação que precisam ser melhor gerenciadas e protegidas; 3) geração de energia, impacto das grandes barragens e também os danos de centenas/milhares de PCHs que afetam os rios e a população ribeirinha da região; 4) grandes empreendimentos, tanto agropecuários quando obras publicas rodoviárias e ferroviárias, cujos impactos socioambientais nem sempre são considerados; 5) desmatamento (e, a meu ver também as queimadas) e a degradação florestal; 6) pagamento por serviços ambientais (PSA), vínculo disso com o mercado de carbono, em processo de regulação no Brasil; 7) mineração (e, também em meu entendimento, garimpos ilegais), cujos impactos ambientais também nem sempre são devidamente considerados; 9) pecuária extensiva e de baixa produtividade, tendo em vista que aproximadamente 70% das áreas desmatadas acabam sendo utilizadas para pecuária e também tem se transformadas em áreas improdutivas, degradadas.

Além desses desafios/problemas, em meu entendimento, podemos também acrescentar outros como: 1) grilagem impune de terras públicas; 2) invasões constantes de territórios indígenas, afetando tais comunidades, verdadeiros genocídios e violência como o ocorrido com o povo yanomami; 3) violência contra indígenas, posseiros, ribeirinhos e agricultores familiares, principalmente de suas lideranças; 4) extração ilegal de madeira, contrabando e descaminho; 5) presença do narcotráfico, que gera uma insegurança constante e permanente; 6) trabalho semi-escravo e migrações internas; 7) favelização dos centros urbanos, com aumento da pobreza, da miséria e da exclusão socio-econômica e política.

Percebendo que os desafios presentes na Amazônia não se limitam aos territórios nacionais, “os oito países amazônicos assinaram o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em 03 de julho de 1978, com o objetivo de promover o desenvolvimento harmônico dos territórios amazônicos, de maneira que as ações conjuntas gerem resultados equitativos e mutuamente benéficos para alcançar o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica. Como parte do Tratado, os Países Membros assumiram o compromisso comum para a preservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais da Amazônia”.

Há poucas semanas representantes dos países que integram o Tratato de Cooperação Amazônica reuniram-se em Belém, para tentar resgatar aspectos relevantes que haviam sido discutidos na última reunião realizada há 14 anos , em 2009. Durante os 45 anos de vigência do TCA esta foi a quarta reunião formal entre chefes de Governo e de Estado.

Como sempre acontece nessas reuniões internacionais, muitos discursos, boa parte demagógicos e poucos compromissos efetivos acabam sendo concretizados, tendo em vista que cada país é soberano para definir suas políticas públicas, seus programas e projetos que afetam, positiva ou negativamente os aspectos socioambientais.

Enquanto isso, resta-nos seguir lutando para que esses tratados internacionais e os comprimissos assumidos pelos governos nacionais sejam devidamente cumpridos, para que não passem de belas intenções e lindas palavras!

Esta luta é o que o movimento Laudato Si denomina de Ações de sustentabilidade e MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA. Juntos, podemos avançar cada dia um pouco a mais, separados, omissos ou coniventes seremos também responsáveis pela destruição e pela degradação da Amazônia.

Reflita sobre tudo isso neste DIA DA AMAZÔNIA 2023!

*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, Articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email [email protected] Instagram @profjuacy whats app 65 9 9272 0052

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