Imaginava que o Nortão fosse meu velho conhecido, pois acompanho seu dia a dia desde a abertura da rodovia que lhe deu o sopro de vida. Estava enganado: pois não conhecia o melhor daquela região, que é seu povo de alma generosa. Tenho na memória a história daquela área, sei dados de sua economia e mantive contato com suas principais figuras, mas somente descobri o cerne de seus habitantes ao escrever o livro “Nortão BR-163: 46 anos depois”, que chegou à segunda edição – já esgotada.
Para mim o livro abriu a porta que revela a essência da gente do Nortão. Na obra cito dezenas de figuras do povo e essas referências levaram personagens, seus parentes e amigos ou simples conhecidos a me agradecerem. Em alguns casos fui tomado pela emoção, em outros retribui com um obrigado virtual ou ainda com um abraço.
A reação do Nortão ao livro foi diferente de tudo que vivi em décadas no jornalismo, onde a relação é caracterizada pela frieza, indiferença ou cara amarrada pelo citado quando o conteúdo não lhe interessa. Agora, sei que realmente conheço o Nortão e sinto-me feliz pelo alcance da minha obra, que considero um conjunto de reportagens, por seu tom jornalístico.
Sei que essa gratidão nasceu da têmpera do morador da base territorial do livro, mas também foi resposta ao relacionamento de boa parte da nossa imprensa com aquela região. Exemplifico. Quem vive em Sinop, Alta Floresta ou outro município daquela área, indiretamente é prejudicado pelo noticiário sensacionalista e com um quê xenófobo especializado em pintar o Nortão por supostos desmatamentos, grilagem de terras públicas, ameaça a índios, degradação ambiental pelo garimpo, uso indiscriminado de agroquímicos e outras mazelas. O agredido é a mesma figura que recebe tratamento digno na obra.
Fazendo correções históricas e falando a linguagem do Nortão, respeitando seus vultos e denunciado quem o prejudica ou prejudicou publiquei um livro sem apoio das leis de incentivos culturais e que há bastante tempo era sonhado por quem vive naquela região - um dos pilares da política mundial de segurança alimentar.
Em Cuiabá não houve receptividade. Não reclamo. Entendo que numa cidade onde pulsa o coração da elite escritora mato-grossense valorizada pelo governo e a Assembleia Legislativa um jornalista aculturado, pobre, à beira dos 70 anos, sem família nobre e desvinculado das rodas sociais, políticas e sindicais não tenha espaço. Isso é natural, principalmente junto aqueles que se refestelam com o banquete do poder. Esse entendimento não me afasta da capital mato-grossense, pelo contrário, mas aumenta meu senso de gratidão ao Nortão - bela e promissora região que é tema do livro que escrevi com o coração.
*Eduardo Gomes de Andrade é jornalista - [email protected]
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