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Artigos Quinta-feira, 09 de Março de 2017, 08:47 - A | A

Quinta-feira, 09 de Março de 2017, 08h:47 - A | A

opinião

Da injúria ao injuriado

                                                                                                                                         por Roberto de Barros *

A injúria é aquele ato que insulta, ultraja, causa dano, ofende a dignidade ou a honra de uma pessoa. É algo que causa estrago, dano ou lesão seja física, seja moral, seja psicologicamente. Pode ocorrer por proferir palavras ou por ter um comportamento que insulta e prejudica.

Logo, é um ato aparentemente fácil de identificar e ser estabelecido nas diversas circunstâncias da vida, sendo o injuriado identificado com clareza, não só por ele que sofre e irá lutar para restabelecer a justiça, mas por todos os demais que veem claramente a injustiça praticada e sofrida. E o injuriante tem consciência do malefício do seu ato, da injúria praticada, da má fé de sua fala ou ato.

Entretanto, nas relações humanas nada é tão simples como aparenta, ainda mais quando se trata desse obscuro objeto de desejo: a justiça. Por exemplo, posso me sentir extremamente injuriado, ultrajado na minha dignidade pelos atos e dizeres de outra pessoa, quando na verdade ela nada fez contra mim, por vezes, até mesmo desconhecendo a minha existência, apenas expressou sua vontade ou realizou algum desejo, sem pensar no bem ou no mal que pudesse causar aos demais.

Ou, ainda que nada de injusto tenha feito ou dito, ainda assim posso sentir que o que fez é injusto, porque na minha noção de justiça, os atos que não concordam comigo, são contra mim, forma muito usual de se pensar.

Por outro lado, nenhum agente sabe exatamente a extensão de sua ação, de todas as consequências possíveis, portanto, boa parte das ações não partem de alguma má fé, mas antes de intenções que podem ou não serem realizadas.

E é mais nas intenções do que nas ações propriamente que se deve buscar a injúria ou sua ausência. Intenções boas podem causar danos e devem ser revistas, mas não devem ser meramente punidas, se não visavam dolo ou devido à circunstância estranha a vontade acabou prejudicando alguém. Eu quis te ajudar a levantar e nesse gesto sem querer te derrubei, não devo ser punido por lesão corporal, ainda que deva prestar todos os socorros para tentar reparar o mal feito.

Enfim, boa parte das ações dos homens não visa o mal do próximo, ainda que possa causá-lo sem querer. Eis porque muitos se sentem injuriados, ainda que não se tenha praticado nenhuma injúria.

Há também o fato que, se sofri injúria, adquiro o direito de responder com outra injúria? Ou seja, se devemos responder o mal com o mal: matou – morreu. Claro que posso sentir uma injúria mais forte do que ela de fato merecia – pisou sem querer no meu pé e eu acho que foi proposital – e aí reagir de forma violenta e indigna.

Ou, pelo contrário, você pode pensar que está me injuriando e ser completamente indiferente a injúria praticada, mas não sofrida. Assim, pode-se tanto exagerar a injúria sofrida, mas não praticada, pode-se exagerar a injúria sofrida e praticada reagindo de forma injuriosa; pode-se reagir a injúria de forma apropriada e pode-se até mesmo nem sentir a injúria ou considerá-la indiferente, uma coisa sem relevância, ou pelo menos não suscetível de qualquer punição.

Dizer a verdade muitas vezes pode injuriar alguém ou muitos. Mentir também. Não é possível saber de antemão se alguém não se sentirá ofendido com o que se diz ou faz. É difícil estabelecer o certo e o adequado para tudo e para todos, pois ainda que possa considerar minha atitude respeitosa, depende da recepção dela para não ser considerada desrespeitosa.

Boa parte dos problemas do mundo não está propriamente na ação, mas na recepção da mesma por parte de pessoas que acreditam que mereceriam um tratamento melhor.

Num mundo onde as pessoas consideram que possuem direitos a tudo, ainda que desconheçam seus deveres, e que se está cada vez mais suscetível a se sentir lesado nos mesmos, desrespeitado, enfim, injuriado, cresce a corrida aos tribunais para se buscar reparações, de preferência pecuniárias, para algum tipo de vingança que se chamará justiça.

Temo um mundo onde todos são vigiados e punidos por pequenos gestos mal interpretados, onde se acusa facilmente e mais facilmente ainda se condena as atitudes tolas, antes que má. Temo uma tolerância intolerante com os intolerantes.

Roberto de Barros Freire é professor do Departamento de Filosofia/UFMT.

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