por Juacy da Silva*
“Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum. Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente”. Papa Francisco, Capítulo V, A POLÍTICA MELHOR, 154, Encíclica Fratelli Tutti, 03/10/2020). Em minha opinião, esta mesma ideia também se aplica, perfeitamente, as comunidades locais/municipais, regionais/estaduais e nacionais.
“Podemos reclamar dos nossos políticos, mas nunca devemos esquecer que fomos nós que os colocamos lá”, autor desconhecido.
“Quando a política servir ao povo e não aos interesses de algumas classes ou grupos econômicos, sociais e religiosos, ela se tornará a salvação do mundo”, autor desconhecido.
À medida que nos aproximamos de uma nova eleição, que a cada dois anos, convoca a população para eleger “seus” representantes nos Poderes Legislativo e Executivo, no caso das próximas eleições municipais em outubro de 2024, estaremos elegendo vereadores/vereadoras, prefeitos/prefeitas de 5.568 municípios e nada menos do que 58.208 integrantes das Câmaras Municipais.
Sabemos que as eleições municipais acabam contribuindo para uma “nova” configuração política e eleitoral que é fator fundamental para as eleições gerais, para deputados estaduais, distritais (caso do Distrito Federal), deputados federais, senadores, governadores e presidente da república dois anos depois (2026) já que no Brasil não existe coincidência de mandatos entre prefeitos e vereadores e os demais cargos preenchidos nas eleições gerais.
A coincidência de mandatos seria um ótimo mecanismo para evitar que políticos façam das eleições municipais apenas um trampolim para as eleições gerais, frustrando os eleitores quando assim agem de forma de carreirismo personalista, além de possibilitar uma melhor articulação do planejamento nacional, estadual e municipal e a definição de políticas públicas, programas e projetos de interesse da população, maximizando os recursos escassos, inclusive orçamentários, quando corretamente aplicados, com eficiência, eficácia, efetividade, transparência e ética.
As próximas eleições municipais servirão como um termômetro para o que poderão ser as eleições gerais de 2026, quando os extremos políticos (direita x esquerda) estarão novamente em confronto, razão pela qual, mais do que nunca, é importante que os eleitores, principalmente os pobres e excluídos, escolham tanto no âmbito municipal quanto em 2026 no âmbito estadual e nacional, candidatos que realmente possam representar e defender os direitos e aspirações da grande maioria do povo brasileiro e não interesses menores.
Só assim, os grandes problemas e desafios municipais, estaduais e nacionais poderão ser enfrentados e equacionados e não escamoteados por meio de assistencialismo, compadresco, tapinhas nas costas, promessas que jamais serão cumpridas por serem, desde o início, falsas e demagógicas.
Alguém pode imaginar que um grande industrial, um grande empresário que só pensa em aumentar seus lucros, seu patrimônio, seus privilégios (subsídios, “incentivos fiscais”, isenções de impostos, sonegação consentida) ao ser eleito para algum cargo da estrutura do poder vai defender o trabalhador, o pobre e excluído?
Alguém pode imaginar que um grande latifundiário ou barão do Agro, integrante da bancada ruralista no Congresso Nacional, vai defender o trabalhador rural, a reforma agrária, os quilombolas, os povos indígenas, melhores condições de vida para a população pobre das periferias urbanas, que tem crescido desordenadamente fruto das migrações rurais e ausência dos poderes públicos?
Alguém pode imaginar que donos de hospitais ou de planos de saúde vão lutar pelo fortalecimento do SUS e pelos direitos da população a uma saúde pública de qualidade e universal? Alguém pode imaginar que um político que seja aliado ou participe de atividades de garimpo ou mineração, ou de grupos que desmatam ilegalmente, em estando nos poderes legislativo ou executivo, vai se preocupar com a degradação ambiental, com a destruição da natureza e com a ecologia integral ou vai querer “deixar a boiada passar”?
Alguém pode imaginar que banqueiros ou seus representantes em cargos de poder no Executivo ou Legislativo vão defender taxas de juros compatíveis com o mercado internacional em lugar desta agiotagem institucionalizada, praticando as maiores taxas de juros já vistas na história em qualquer parte do mundo, como as que incidem sobre empréstimos pessoais ou em cartões de crédito, em mais de 300% ou 400% ao ano, causa do endividamento de mais de 70 milhões de pessoas em nosso país?
Da mesma forma que é difícil e complicado entender como pessoas conservadoras, que defendem o “Deus mercado”, propugnam por um “Estado mínimo”, deixando que as tais forças do mercado resolvam todos os problemas que os países enfrentam, principalmente, problemas sociais como concentração de renda, riqueza, propriedades e oportunidades nas mãos de uma minoria insignificante da sociedade, imaginam que ser pobre é um castigo das divindades ou falta de vergonha, não querer trabalhar, que a degradação ambiental, que o aquecimento global, a destruição dos ecossistemas, o desmatamento, as queimadas são coisas de comunista e de quem é contra o desenvolvimento do país e, mesmo assim, às vezes acabam se filiando, militando em partidos de esquerda, que defendem o meio ambiente, a agroecologia, a reforma agrária, o socialismo ou até mesmo o comunismo, como Mato Grosso em que diversos políticos e pessoas influentes, com pensamento conservador, de direita estiveram ou continuam filiados a tais partidos de esquerda?
Também, é difícil entender por que pessoas pobres, miseráveis ou apenas remediadas, que ganham baixos salários, ou estão desempregadas ou subempregadas são contra a tributação dos super ricos, pessoas e grupos econômicos, com renda mensal de milhões ou bilhões de reais; que votam a favor de acabar com os direitos dos trabalhadores, que votam leis que exigem que os trabalhadores ralem até 40 ou mais anos de serviço, enquanto eles (os políticos, os marajás da República e os donos do poder), podem se aposentar com 4 anos ou menos de “trabalho” e podem acumular 4 ou 5 aposentadorias, engordando suas rendas em mais de cem mil reais por mês, repito, é difícil, complicadíssimo entender como esses pobres, que são milhões votam e elegem políticos conservadores que, nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional ou nas prefeituras, governos estaduais, ministérios ou presidência da República, ao serem eleitos voltam as costas para os interesses e as necessidades do povão.
Neste aspecto, em termos de contradição política e ideológica, temos um exemplo em Mato Grosso, quando os PCdoB apoiou um candidato a senador que acabou sendo eleito e hoje é bolsonarista de carteirinha. Imagino como os “camaradas” militantes de esquerda devem se sentir ao perceberem que com seu voto elegeram um representante ultraconservador, da direita, hoje filiado a um Partido de extrema-direita.
Outro exemplo, mas que se insere no que podemos chamar de oportunismo político, é a posição dos partidos conservadores (direita), o chamado Centrão, que desde 2003 “perambulam” pelo espectro ideológico. Apoiaram os governos do PT (dois governos de Lula e um e meio de Dilma), depois se bandearam para o Governo Temer (direita) e, sem seguida, se transformaram em bolsonaristas de carteirinha (extrema-direita) e, agora, novamente fazem parte da bancada de apoio do terceiro governo Lula (originariamente PT, demais partidos de esquerda e um ou outro de “centro/direita”).
Este é o grande nó da política brasileira, principalmente quando a mesma está entrelaçada com religião, esportes, com fanatismo, com alienação, com assistencialismo e manipulação da pobreza, dos pobres e dos excluídos.
Por isso, entendemos que todas as mudanças só ocorrem quando a população, principalmente os pobres e excluídos que representam muito mais da metade da população e, em alguns momentos, praticamente dois terços da população despertarem a consciência e deixarem de ser analfabetos políticos (alienados), na concepção de Bertold Brecht, cuja reflexão compartilho neste pequeno texto.
O analfabeto político - O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. Berthold Brecht, 1931. Fonte: Tribunal Regional da Bahia (prestes há completar 100 anos, este texto ainda é super atual).
Vamos refletir um pouco mais, de forma crítica e profunda, sobre a realidade brasileira e o nosso Sistema politico-eleitoral, os partidos políticos, suas “doutrinas”, suas ideologias e seus programas e, escrutinar com uma lupa a vida e as ações da chamada classe política. Só assim poderemos separar o “joio” do “trigo” e voltarmos a acreditar na política e em nossos governantes!
*Juacy da Silva, professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email [email protected] Instagram @profjuacy Whats app 55 65 9 9272 0052
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