Por Michelle Marie*
Recentemente foi divulgado o possível suicídio de um jovem que foi amplamente atacada em redes sociais como consequências da divulgação de fake news onde ela estaria tendo um envolvimento amoroso com um influencer famoso conhecido como Whindersson Nunes.
O que mais causa indignação no caso é o fato que além das redes sociais permitirem uma rapidez e alcance mundial sobre determinados assuntos, é a interferência de pessoas que imaginam estar sobre a proteção de uma tela de computador ou celular para comentar, induzir e instigar comportamentos e atos que podem gerar danos irreparáveis.
O fato é que as redes sociais podem ser utilizadas como meio para prática de ilícitos que podem ocasionar risco a integridade física, o que gerou a interferência Estatal através da promulgação da Lei 14.811/2024, promovendo alterações significativas no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo medidas mais rigorosas para crimes específicos. Dentre as modificações, destacam-se as alterações nos artigos 122 do Código Penal que prevê a punição para prática dolosa da indução ou instigação alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação, ou prestar-lhe auxílio material.
A nova Lei criminaliza a prática do bullying, definindo como o ato de intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.
Criminaliza ainda intimidação sistemática virtual – o cyberbullying, sendo tipificada pela conduta realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio, ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real.
Vale lembrar que por se tratar de crimes praticado pelos atos de influência, normalmente as vítimas são vulneráveis, não possuindo capacidade de resistência, e com o crescimentos das relações virtuais, o legislador entendeu que a sua intervenção exigindo maior rigor na reação penal.
Veja que embora não esteja explicita penalidades específicas para influenciadores (influencers) de maneira direta, a responsabilização poderá ocorrer quando sujeitos que atuam reconhecidamente como influenciadores que desempenham papel de liderança em comunidades online, coordenando ou administrando inclusive grupos em redes sociais e, induzam ou instiguem alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação, ou prestar-lhe auxílio material para que o faça, terá a pena dobrada podendo chegar desta forma a uma penalidade de 04 anos e em caso de resultar morte até 12 anos.
A legislação modificada pela Lei nº 13.968, de 2019, já previa a possibilidade da aplicação da pena dobrada se a conduta for realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real, não exigindo neste caso a pratica por pessoa que detenha liderança, sendo apenas participante utilizando como meio a facilidade de das redes mundiais de computadores.
Importa definir que a indução prevista no artigo 122 do Código Penal é caracterizada pela criação da vontade na mente de outrem de autodestruição ou autolesão, neste caso a ideia não existia, ao contrário da instigação onde a ideia já existe, e o agente incentiva o ato, nestes casos não existe atos praticados para a execução e sim uma influência mental.
O auxílio material, como meios para prática da automutilação ou autodestruição, é punido da mesma forma, devendo este auxílio ser acessório para não caracterizar a conduta de homicídio, tendo como exemplo clássico de fácil visualização a entrega de uma corda para sujeito que tenha intenção de se autoeliminar, já se a pessoa empurrar o sujeito para que o amarrado com uma corda morra será configurado prática de homicídio tipificado no artigo 121 do Código Penal.
A gravidade de tais práticas e a preocupação com delitos virtuais que afetam a integridade física e mental de indivíduos, o legislador alterou ainda artigo 1º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) ampliando a lista de crimes considerados hediondos, incluindo o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, ou automutilação por meio da internet.
A inclusão na lei de crimes hediondo, tem como consequência a inafiançabilidade, imprescritibilidade, cumprimento inicial da pena em regime fechado, dificuldade na progressão de regime, impedimento de anistia, graça ou indulto.
O tipo penal descrito no artigo 122 do Código Penal é misto alternativo, sendo a competência para julgamento pelo Tribunal do Júri.
Para que ocorra a pronúncia, a jurisprudência tem entendido que havendo a reunião condições de ir a julgamento pelo Tribunal do Júri, ou seja, se há provas suficientes da materialidade do ato ter sido praticado de forma dolosa, intencional, com indicativos suficientes da autoria ou participação do réu, ou se, ocorrer dúvidas sobre a prática dos atos, deve o sujeito acusado ser submetido ao conselho de sentença, só podendo ocorrer a impronúncia se o conjunto probatório estiver extreme de dúvida.
Para consumação do delito não é necessário que a vítima obtenha sucesso na empreitada suicida, caso o resultado da ação instigada, induzida ou auxiliada resulte lesão corporal de natureza grave ou nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código Penal, a pena prevista no preceito secundário é de 03 anos podendo ser aumentada até o dobro no caso do crime virtual ou praticado per líder, coordenador ou administrador de redes sociais, já a previsão para caso do resultado morte estipulada é a de reclusão de 2 a 6 anos, que com a aplicação do aumento poderá resultar a uma pena de 12 anos.
Havendo influência virtual e ocorrendo lesões leves ou ausência de lesões, o crime será o do artigo 122, “caput”, CP, a pena poderá chegar a 4 anos.
Assim, as tipificações e majorações previstas na nova lei traz a possibilidade da responsabilidade de sujeitos que se imaginam ocultos, tudo pode ser rastreado e provado mesmo digitalmente.
Por Michelle Marie, advogada, coordenadora de pós-graduação de Direito Penal e Processo Penal com ênfase em Tribunal do Júri, professora, palestrante e mentora.
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