Olhar para pequenas coisas
por Blairo Maggi*
Há dias assistimos atônitos, perplexos, curiosos e, porque não dizer, maravilhados, aos protestos de milhares de jovens que saíram às ruas das capitais brasileiras motivados, em um primeiro momento, pelo aumento das passagens do transporte público, mas que hoje já provocam um eco muito maior por Saúde, Educação, Segurança, Mobilidade Urbana e Ética na Política.
Será o despertar de uma geração que está iniciando a vida adulta, mas que já tem a certeza de que não quer um País nos moldes que vivemos hoje, para si próprio e para as famílias que, possivelmente, virão a constituir?
Ouvimos muito a palavra ‘dignidade’ nas entrevistas que esses jovens dão às redes de televisão. Dignidade para eles é usufruir de serviços públicos de qualidade, por eles financiados. Como transporte público de qualidade a um preço acessível, ter saúde, educação, segurança, estradas, moradia, emprego. Realidade que é, como sabemos, tão comum em outros países, inclusive da América Latina.
Mas não é o que todos nós queremos? Não é o que governo após governo apregoa em seus planos? Então, onde está o erro? Por que esse gigante, o Brasil, não consegue levar essa dignidade à população?
Outro dia - durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente, e que teve como convidado o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto de Carvalho – lembrei que há muito tempo o Brasil pediu sacrifício aos seus cidadãos e todos colaboraram.
Aí, o País começou a dizer que é rico, que resolveu os problemas, pagou a dívida com o FMI e conquistou grandes eventos como a Copa e as Olimpíadas. A população não é contra esses eventos, mas começou a questionar. Se houve recurso para bancar a Copa, que, de acordo com o Ministério dos Esportes, deve custar R$ 28 bilhões, e para pagar o FMI, por que não sobrou nada pra gente? Como podem gastar R$ 1,2 bilhão em um estádio, como ocorreu em Brasília, e não resolve o problema do hospital que está ao lado?
É preciso que o governo volte os olhos para coisas simples que estão sendo deixadas de lado. O País cresceu, mas não conseguiu de forma harmônica beneficiar a todos. A insatisfação vem vindo e não precisa de nenhum mando para pegar fogo, basta o calor do sol. Se faz necessária, mais do que nunca, uma reflexão do governo sobre essas questões que estão nas ruas.
O governo não foi capaz de criar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para à realização das obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016?
Então, por que não pode ser criado um sistema diferenciado para que sejam feitas obras estruturantes e prioritárias para o Brasil? Pela Copa do Mundo, ficou comprovada a capacidade que nosso país tem de elaborar grandes e modernos projetos de engenharia, e, em pouco tempo, financiar e executar essas obras.
Por que não podemos ter um RDC para educação e saúde? Sou e fui um dos maiores apoiadores para a realização do Mundial 2014 no Brasil. Sou favorável à edificação de obras e arenas modernas em todo o país. Mas não posso concordar com um Brasil maquiado para o mundial.
Hoje somos assistidos e apoiados por cidadão de todo o mundo, que também foram às ruas protestar por um Brasil melhor. Não posso admitir que uma obra orçada em torno de R$ 697 milhões tenha seu valor final praticamente duplicado, como ocorreu em Brasília.
Em Cuiabá, já não estamos certos de todo o legado que ficará, pois metade dos projetos licitados pelo estado, que custaram algo em torno de R$ 2,2 bilhões, ainda não foram concluídos. Esta, certamente, não foi a realidade que esperávamos ver quando, em 2007, o Brasil foi selecionado para sediar o mundial. Período em que eu, na condição de governador de Mato Grosso, fiz o possível para que Cuiabá fosse uma das cidades sedes da Copa.
Vibramos ao menor sinal de progresso, prenunciado pela faxina ética iniciada pelo governo federal ao longo dos últimos anos. Também vibramos quando Brasil antecipou em dois anos sua dívida de U$ 15,5 bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nos sentimos fortalecidos quando no auge da crise econômica mundial, em 2008, éramos inegavelmente uma das nações mais preparadas para enfrentar aquele período de adversidades.
Mas abrimos os jornais e nos deparamos com aeroportos lotados, com a realidade de que o principal problema dos portos brasileiros está no acesso aos terminais, com engarrafamentos que chegam a durar 24 horas por conta da má qualidade das rodovias. Hoje, vemos um Brasil que exporta há 200 anos (desde os tempos em que éramos colônia de Portugal) e que ainda leva em torno de 20 dias para carregar um navio, segundo reportagem do fantástico de 21 de abril.
De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), a falta de infraestrutura, além de fazer vítimas, gera um rombo na economia de R$ 16 bilhões a cada ano. E o prejuízo está embutido nos preços arcados pelo consumidor.
E não para por ai. Vivemos, não só em Mato Grosso, mas em todo o país, um período de supersafra, e o valor dos alimentos não seguiu a lógica de mercado, que seria a redução dos preços. O motivo é, mais uma vez, a deficiente infraestrutura, que faz elevar, anualmente, o custo dos transportes.
Um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que o brasileiro precisa trabalhar aproximadamente 13 minutos por dia para pagar a passagem de ônibus. Enquanto nossos vizinhos argentinos precisam trabalhar somente 1 minuto e 44 segundos, quase 10 vezes menos.
Outro Brasil que motivou protestos mundo afora é aquele que confere aos cidadãos o dever de arcar com uma das maiores taxas tributárias do mundo. Em 2013, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT, cada brasileiro deve trabalhar cerca de 150 dias, ou 5 meses, somente para pagar impostos, taxas e contribuições aos cofres públicos. Contribuição que só faz sentido se houver contraprestação de serviços.
Hoje, há menos de um ano das eleições majoritárias, os cidadãos mostram-se fadigados com alianças e acordos políticos, negociações de ministérios, cargos, campanhas. O novo paradigma sugere campanhas partidárias menos publicitárias e mais realistas. Hoje, vemos por meio dessas manifestações, que o povo almeja encontrar nas urnas a possibilidade de eleger um líder capaz de colaborar com um país, ou governo, mais democrático e menos populista.
Precisamos discutir isso dentro do Congresso, trazer essa responsabilidade, e a presidente Dilma, que é quem tem a caneta na mão, precisa analisar o que vem acontecendo com muito cuidado. A mensagem foi dada e os governos precisam mostrar alternativas e soluções para o que está sendo questionado.
Vejo como uma oportunidade única: A de ouvir quem a elegeu, se quiser manter a governabilidade e ter como projeto a reeleição. Mas antes de tudo isso, será preciso priorizar os interesses da nação.
*Blairo Maggi é senador da República pelo PR, foi governador de Mato Grosso.
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