A interrupção temporária de atendimento no pronto-socorro da Santa Casa de São Paulo e o fechamento de maternidades tradicionais como a do hospital Santa Catarina pegaram muita gente de surpresa. Pegou mesmo? Apesar de aparentemente distintos – um pronto-socorro filantrópico que só atende SUS e uma maternidade privada em plena avenida Paulista – os dois cenários compartilham os mesmos três pilares: demanda, recursos e gestão.
É fato: as famílias têm diminuído. O número médio de filhos por mulher, no Estado de São Paulo, caiu 50% em 25 anos, segundo o Seade (centro de análises estatísticas de SP). É natural que as organizações de saúde se adequem a esse cenário, certo?
E, com o envelhecimento da população, também é esperado que o perfil epidemiológico sofra alterações. Então, também é bastante natural que os hospitais busquem o aumento da oferta para esse novo público. Desta forma, a decisão do Santa Catarina não é tão estranha assim. Ele pode trocar a maternidade por uma área como oncologia.
Por outro lado, a população do município aumentou 30% em apenas 20 anos. E o SUS, criado pela Constituição de 1988, prevê o atendimento a todos. A Santa Casa e outros centros de referência na cidade, como o Hospital das Clínicas e o hospital São Paulo, prestam serviços de saúde a qualquer pessoa - paulistana ou não, brasileira ou não.
É o oposto do Santa Catarina: agora, temos uma enorme demanda – e crescente a cada ano. Isso é visível no dia a dia dessas organizações, com as enormes filas para atendimento e alto tempo de espera.
Vamos ao segundo ponto: recursos. A tabela dos SUS paga R$10 por uma consulta médica. Esse valor deve custear, além do salário do médico, a infraestrutura do hospital e os custos operacionais (água, luz, materiais) e administrativos (setores de finanças, sistemas de informação e recepção).
E estamos falando de uma "simples" consulta, sem uso de caros medicamentos ou realização de exames diagnósticos de alta complexidade. Fica claro: a conta não fecha.
Casos como o do hospital Santa Catarina mostram uma racionalização do uso de recursos. Parafraseando um antigo comercial, o motivo é simples: não basta cobrir custos, tem que investir.
Mesmo que os planos de saúde paguem valores superiores ao SUS, muitas vezes é suficiente apenas para pagar as contas. E, com o aumento do uso da tecnologia na área de saúde, o investimento em novos equipamentos e medicamentos é fundamental para a permanência da organização no mercado.
Por fim, a gestão. Já ouvi de muitas pessoas que "o hospital X só quer lucro". Nós temos uma certa "vergonha" do lucro. Ainda mais na área de saúde. Então vamos trocar por resultado.
As organizações – públicas ou privadas, filantrópicas ou não – têm que ter resultado. Essa sobra serve para investir. Para crescer. Para poder oferecer mais qualidade a seus clientes. Quem você conhece que presta um serviço de real qualidade a baixo custo?
Só que temos um problema: é difícil calcular os custos reais de um procedimento. A imprevisibilidade é grande, e a variabilidade, enorme. Em um pronto-socorro como o da Santa Casa, é extremamente complexo apontar quanto se gastará com o próximo paciente: não se sabe quem será, o que ele apresentará ou como deverá ser a conduta.
É difícil, não impossível. A área de saúde é uma das que mais coleta informações sobre seus clientes. O prontuário deveria ser uma fonte de dados para a instituição. Mas a gestão de informações ainda está amadurecendo, com o aumento recente da informatização dos hospitais. Além de coletar os dados, é necessário analisá-los. E, com eles, poder tomar decisões.
A gestão da área está cada vez mais profissionalizada e aprendendo com outros setores como melhorar sua organização e uso dos recursos. A saúde está aprendendo. E só temos a ganhar com isso.
por Libânia Paes, coordenadora do curso de administração hospitalar da FGV-EAESP, sobre os problemas financeiros do setor de saúde no Brasil