por Pascoal Santullo Neto*
A nossa carta magna de 1988 afirma que todos os cidadãos terão seus direitos fundamentais garantidos pelo estado. O que significa que o estado deverá prover saúde, educação, segurança, moradia, trabalho e outras obrigações sociais. Mas o que vemos na prática é bem diferente pois os recursos públicos são finitos e as necessidades sociais infinitas. Como equilibrar esta equação?
Vejamos o que aconteceu na Alemanha, por volta de 1970, onde nasceu a Teoria da Reserva do Possível. Na ocasião, um grupo de estudantes secundaristas concorreu a vagas abertas ao curso de medicina, mas, mesmo sendo aprovados, não puderam ingressar na universidade, pois o estado alemão limitou o número de vagas.
Essa situação chegou aos tribunais alemães que inovou em sua decisão evocando à teoria da reserva do possível, que mostra que nem todos os direitos fundamentais dos cidadãos poderão ser atendidos se o Estado não tiver recursos suficiente para provê-los.
A expressão “reserva do possível”, que já possui quase 50 anos, e identifica o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis para a sociedade diante de suas reais necessidades, que quase sempre são infinitas e às vezes impossíveis de serem atendidas.
Voltando à terra de Cabral, nos deparamos com uma constituição cidadã que tudo garante ao cidadão. No entanto, essas ‘garantias’ têm um custo que a sociedade vem pagando por meio de tributos e taxas cobrados excessivamente sobre o consumo e não sobre a renda, os quais deveriam retornar à população através de serviços essenciais de qualidade.
Apesar do peso dessa tributação, o Estado não vem conseguindo fazer frente às necessidades básicas do cidadão em razão de alguns motivos, dentre eles, podemos destacar o seu próprio tamanho e também uma constituição utópica.
Temos um Estado gigante, inchado e inoperante em todas as suas esferas e que utiliza a maior parte dos recursos arrecadados para manter o seu custeio e o status quo dos seus membros, deixando assim de prestar os serviços sociais garantidos na carta magna, esquivando assim de suas responsabilidades, utilizando como argumento a Teoria da Reserva do Possível.
Nesta seara realmente visualizamos duas grandes limitações: uma econômica, ou seja, a escassez de recursos financeiros para o Estado; e a outra jurídica, que consiste na inexistência de autorização orçamentária para realizar a despesa almejada pelo cidadão.
Acontece que o cidadão tem buscado amparo na justiça para ver assegurado os seus direitos sociais, aumentando a judicialização em escala geométrica; obrigando o Estado a gastar recursos da própria sociedade, que nem sempre estão disponíveis orçamentariamente e principalmente financeiramente, para atender essas reclamações.
Diante deste cenário, muitas vezes caótico, entendemos que o tema carece de uma maior reflexão por parte da sociedade, especialmente em um ano eleitoral, já que teremos a oportunidade de escolher os próximos gestores públicos e assim rever a questão do ponto de vista da melhor prestação de serviços, com redução da máquina pública e eficiência na utilização dos recursos disponíveis.
Também consiste em uma pequena homenagem ao jurista e professor do direito tributário: Ricardo Lobo Torres, precursor da teoria da reserva do possível no direito brasileiro, que faleceu no final do mês de maio. Para o catedrático Ricardo Lobo, o sentido originário da expressão teoria da reserva do possível ao ser importada para o Brasil, inúmeras vezes sofre o que ele dizia se chamar “desinterpretação da reserva do possível”.
De todo modo, seja do ponto de vista do Estado ou do cidadão, é importante que o bom senso sempre prevaleça para que o país tenha condições de se desenvolver social e economicamente, dando oportunidades de crescimento a todos.
*Pascoal Santullo Neto é advogado tributarista,email: [email protected]