por João Doria Jr*
No momento em que o Congresso Nacional reabre o debate sobre reforma política, ganha relevância o tema do voto: trata-se de um dever ou um direito do cidadão? Cristaliza-se o escopo do voto como direito das pessoas, na crença de que carrega semelhança com outros direitos consagrados no art. 5º da Constituição, como a inviolabilidade à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O pressuposto ancora-se no princípio do livre arbítrio, que confere ao indivíduo a liberdade de escolha, diferente da imposição ao eleitor de comparecer às urnas para sufragar o nome de seus representantes.
A obrigatoriedade do voto foi imposta na época do Brasil rural, alojando-se no Código Eleitoral de 1932 e se tornando norma constitucional em 1934. O eleitorado era de apenas 10% da população adulta. Havia o temor de que a pequena participação popular tornasse o processo ilegítimo. Hoje, a paisagem brasileira é essencialmente urbana e os desafios são bem maiores. As contrafações se multiplicam. O caráter amorfo de mais de 50% do eleitorado é responsável por muitos deles, traduzindo a incipiente experiência do sistema democrático. Hoje, o voto é compulsório, exceção feita aos jovens entre 16 e 18 anos, eleitores com mais de 70 anos e analfabetos. Quem deixar de votar e não apresentar justificativa plausível estará sujeito a sanções.
Nossa democracia sofreria caso o voto fosse facultativo? Haveria, de princípio, uma quebra de 35% na participação popular nas eleições. Tomando como referência o eleitorado do ano passado –141.824.607 eleitores – cerca de 92 milhões poderiam comparecer às urnas. Esse volume não significaria enfraquecimento da democracia representativa. Vejamos. Mesmo com o voto obrigatório, a somatória de abstenções, votos nulos e em branco produz uma quebra de quase 30% no resultado geral, conforme se viu no pleito de 2014, quando mais de 41 milhões ficaram de fora da planilha da apuração.
Já o voto facultativo, significando liberdade de escolha, participar ou não do processo eleitoral, é uma decisão da consciência de cada cidadão. Se milhões de eleitores se abstêm de votar, por espontânea vontade, outros milhões poderão comparecer às urnas.. Assim, o processo registraria índices bem menores de votos nulos e brancos.
Atente-se para o fato de que o eleitor desinteressado tem dificuldade de distinguir perfis sérios de outros. Ignora o fato de que seu candidato, bem aquinhoado pelo voto, poderá ter de ceder o lugar a outro, de inexpressiva votação. É falaciosa a tese de que a obrigatoriedade do voto fortalece a política. Fosse assim, Estados Unidos e países europeus, territórios que cultivam uma forte democracia, adotariam o voto compulsório.
O fato de se ter, nos EUA, partipação de menos de 50% do eleitorado não significa que a democracia seja mais frágil que a de outras nações. Na Grã-Bretanha, com o sufrágio facultativo, a participação chega a 70% nos pleitos para a Câmara dos Comuns, e na França, a votação para a Assembleia Nacional alcança cerca de 80% dos eleitores.
Apenas em 24 países o voto é obrigatório. Não será ele a melhorar os padrões políticos. A elevação moral de um povo decorre do seu nível de desenvolvimento cultural e educacional. Na lista do voto obrigatório, estão os países da América do Sul, com exceção do Paraguai, enquanto o voto facultativo se insere em países do Primeiro Mundo, os de língua inglesa e quase todos os da América Central. Nas democracias históricas, a maioria dos eleitores desenvolve percepção aguda, exercitando a crítica com base no conhecimento.
As liberdades individuais constituem matéria-prima dos padrões de decisão política. Deixar de votar constitui, portanto, um ato de consciência cívica porque os cidadãos são bem informados sobre candidatos, programas, propostas e alianças. O voto facultativo fará bem ao aperfeiçoamento da democracia no país. E ao Brasil.
* João Doria Jr.é empresário, jornalista e presidente do LIDE - Grupo de Líderes Empresariais.