A história nos indica que genialidade e loucura talvez estejam intimamente entrelaçadas. O escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) afirmou certa vez: "muitas pessoas me caracterizam como louco, mas resta saber se a loucura não representa, talvez, uma das formas mais elevadas de inteligência".
Muito antes disso, uma espécie de "loucura divina" era vista por Platão como base fundamental para a criatividade. Uma lista interminável de artistas célebres, parte deles portadores de graves transtornos psíquicos, parece confirmar o ponto de vista do filósofo grego. Era o caso de Van Gogh, Gauguin, Lord Byron, Tolstói, Tchaikóvski, Schumann e Arthur Bispo do Rosário, para citar um dos nossos, entre muitos outros.
No início do século XX, a busca das origens da genialidade era um dos temas mais palpitantes da investigação psicológica. "Quando um intelecto superior se une a um temperamento psicopático, criam-se as melhores condições para o surgimento de um tipo de genialidade efetiva que entra para os livros de história", sentenciou o filósofo e psicólogo americano William James (1842-1910).
A palavra loucura não pode ser, portanto, vista apenas por sua má conotação.Nem todos os loucos são apenas loucos, alguns são gênios. Mas muitos, tidos como loucos, são apenas pessoas com transtornos psíquicos, às vezes sem condições financeiras para obter tratamento psiquiátrico, ou que não contam com o apoio da família para um acompanhamento adequado. Todos eles devem encontrar espaço para tratamento no sistema público de saúde mental.
O tratamento do "louco" deve cada vez mais ser enxergado como um processo político e social que cresce no sentido de garantir a eles menos asilamento e mais dignidade e condições de reinserção social.
A importância do tema é reconhecida no calendário nacional. Dezoito de maio é comemorado como Dia do Movimento Antimanicomial. Ele representa a luta pela extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por serviços que ofereçam aos usuários além do tratamento específico, autonomia, identidade e liberdade de expressão.
O atual modelo assistencial em saúde mental brasileiro foi legalmente formatado após de 12 anos de tramitação no Congresso Nacional da Lei 10.126, de 2001, de autoria do deputado Paulo Delgado. Ela transferiu o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, modelo asilar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários abertos.
A lei assegurou aos portadores de transtornos psíquicos direitos como: garantia à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; serem tratados em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; e preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
A legislação representou um salto positivo porque tradicionalmente a loucura era "tratada", sobretudo quando se referia à classe trabalhadora de baixa renda, de forma opressiva, com exclusão da vida social e alijamento dos direitos mais fundamentais da pessoa humana.
Este ano, o Ministério da Saúde investirá R$200 milhões para custeio e fortalecimento da rede de atenção a saúde mental e expansão de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos no Brasil.
Brasília, uma das primeiras cidades do país a ter enfermarias específicas para tratamento de pacientes com problemas psíquicos, no Hospital de Base, sofreu seu momento mais crítico da luta antimanicomial a partir de 1999 quando houve uma crescente desestruturação por parte do GDF da reforma psiquiátrica em curso.
No governo Agnelo esta luta ganhou novo fôlego. Desde 2011, a Gerência de Saúde Mental do DF, subordinada a Subsecretária de Atenção à Saúde vem retomando a construção de uma rede pública de qualidade comprometida com a afirmação dos direitos humanos de pessoas com transtornos psíquicos, ou usuárias de drogas.
Dentre as medidas adotadas neste esforço, merecem ser citadas o aumento do número de Centros de Atenção Psicossocial- CAPs, que passou de 7 em 2011, para 10 em 2012; a criação de um centro de atendimento 24 horas na Rodoviária com uma equipe multidiciplinar para o atendimento a dependentes de drogas; e o oferecimento no Hospital Regional da Asa Sul de leitos para crianças e adolescentes em sofrimento psíquico com necessidade de internação.
Nesta gestão ocorreu expressiva ampliação do número de profissionais incluídos aos quadros da Secretaria de Saúde. Cerca de 165 psicólogos foram contratados, e esta semana foi lançado um novo edital para a contratação de médicos psiquiatras.
Loucos ou gênios devemos cuidar com amor dos pacientes com transtornos psíquicos. Com patologias mais ou menos graves eles respondem hoje mais rapidamente aos tratamentos, devido aos novos medicamentos existentes no mercado. E cada um a sua maneira agradece os cuidados recebidos.
Um dos maiores "loucos" de nossa história, considerado esquizofrênico-paranóico, Arthur Bispo do Rosário, sem esculpir, usar tintas, desenhar, ou fotografar, criou arte a partir do lixo, sucatas e trapos de outros internos do hospital psiquiátrico em que viveu.
Segundo Bispo, Deus havia lhe pedido que "reconstruísse o universo" e foi o que ele fez, a seu modo e maravilhosamente, recluso a maior parte do tempo, por opção, em uma solitária. Genuíno e único no que fez, a excelência de sua arte é hoje unanimidade internacional.
Tema de vários filmes e considerado mais gênio que louco, com uma produção beirando a mil objetos, expostas no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, na desativada Colônia Juliano Moreira, no Rio, onde viveu, este "louco" nos deixou uma grande lição: recolheu lixo e devolveu arte, como se oferecesse amor aos que o cercearam deste sentimento durante a maior parte de sua vida.