A cena de centenas de jovens com bandeiras e braços erguidos, refletida no branco da concha da Câmara dos Deputados na noite da última segunda-feira (17.06), acenando para cerca de 10 mil pessoas que gritavam palavras de ordem diante do Congresso Nacional, já entrou para a história.
A geração Instagram tinha a absoluta certeza quando escalaram as laterais do prédio para lá se instalar, desafiando a gravidade e a polícia, que esta imagem falaria mais que qualquer texto nas telinhas espalhadas pelo mundo no dia seguinte: nós estamos descontentes e queremos opinar sobre os destinos deste país.
Em apenas um dia, cerca de 250 mil pessoas se manifestaram em várias capitais em apoio ao Movimento Passe Livre de São Paulo. Eles prometeram e estão cumprindo a promessa de continuar a se manifestar em torno de bandeiras como transporte gratuito, melhorias na saúde e na educação. Mas estas bandeiras não são novas. O que estamos todos nos perguntando é: por que foi que, aparentemente de repente, milhares de estudantes e famílias inclusive com crianças, saíram às ruas para protestar? E escolheram preferencialmente os prédios dos poderes legislativos e executivos ?
"A sabedoria grita nas ruas e ninguém escuta", ensina Shakespeare em Medida por Medida. Estes indícios de insatisfação reprimida estavam nas redes sociais para quem quisesse ver, a exemplo das 2,2 milhões de assinaturas do Fora Renan; das repetidas manifestações pela retirada do pastor Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; das tentativas de "flexibilização" da Lei da Ficha Limpa; da aprovação da PEC 37, entre muitos outros.
Fotos sobre as reformas de estádios no Brasil eram frequentemente postadas nas redes sociais, ao lado de escolas em péssimas condições e de filas em hospitais públicos, num recado claro: gastar milhões na reforma de estádios de acordo com as exigências da FIFA, deve ser a nossa prioridade?
Esses sentimentos de discórdia estavam represados e as comportas foram sabiamente abertas agora por uma juventude que, por conhecer a fundo o poder da internet, escolheu o momento em que o Brasil se transforma em vitrine da Copa das Confederações. Mostrar a insatisfação ao Brasil era pouco, a geração globalizada queria mostrar ao mundo a sua força.
É necessário, no entanto, parar e refletir seriamente sobre para onde nos leva grandes movimentos. Um represa com comportas abertas numa direção definida pode ser benéfico. Aberta totalmente e com objetivos não sistematizados ela pode inundar uma cidade, um estado, uma Nação.
Nas passeatas o coro "violência não" era um dos mais entoados. Apesar do caráter pacifista defendido pela imensa maioria eles não conseguiram evitar atos de vandalismo de maior ou menor grau em várias capitais, que somente por muita sorte não resultou em mortes.
O patrimônio público e privado foi seriamente dilapidado. Prédios históricos foram destruídos. São chocantes, por exemplo, os vídeos de vândalos encapuzados destruindo os caixas eletrônicos do Banco Itaú, da agência da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, sem nenhuma preocupação com as câmeras de segurança.
Os funcionários da Assembléia viveram cenas de guerra, sendo obrigados a fazer barricadas com móveis de época para se proteger contra as pedras jogadas por desordeiros infiltrados nas manifestações, causando prejuízos de cerca de 2 milhões, com a quebra de vitrais franceses, verdadeiras obras de arte nas portas e janelas do prédio.
Do outro lado, não restava à polícia senão agir de acordo com a lei na defesa da ordem e do patrimônio público, desconsideradas aqui os excessos cometidos em muitas situações, devidamente registrados e divulgados pela geração Instagram, para quem nada passa sem registro documental digital.
Nossos filhos estão convivendo hoje com o que vivemos nós na luta pela derrubada da ditadura, coquetéis molotov, bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, soldados a cavalo e tropas de choque. Correrias, incêndios e feridos por balas de borracha, inovação dos últimos 20 anos, se repetiram em várias capitais. Mas a ação da polícia, na segunda e na terça-feira, ocorreu na maioria das vezes, para conter as ações de vandalismo.
Enquanto articulistas da grande imprensa escreviam artigos que nada acrescentava para a compreensão do fenômeno, a Rede Globo que a princípio minimizou o movimento como "ação de vândalos ", foi forçada a mudar de postura diante da força e da seriedade das manifestações e dar ampla cobertura aos acontecimentos.
Certo estou de que vivemos hoje um momento de transição de grande importância. Aparentemente o atual modelo de organização partidária e sindical está vencido e deve mudar de patamar. Este é o grande debate. Como devem todos estes brasileiros desejosos de melhorias e mudanças em muitos campos participar ativamente nas decisões do país e não apenas se manifestar nas ruas?
É necessário também refletir detidamente sobre o perigo do uso político das manifestações na internet. Vi estarrecido declarações de pessoas no Facebook incitando a quebra de estádios recém reformados; sugerindo que as manifestações são contra o governo Dilma especificamente.