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Opinião Quarta-feira, 17 de Outubro de 2012, 08:47 - A | A

Quarta-feira, 17 de Outubro de 2012, 08h:47 - A | A

Eu não desejo que o desfecho seja cruel com Carminha

Sou contra a derrota de Carminha. Se a arte reproduz as vicissitudes da vida, nada mais justo a personagem de Adriana Esteves triunfar.

 

Não que eu seja um telespectador assíduo de Avenida Brasil. Pelo contrário. De toda a novela, eu devo ter visto uns 10% da trama. Só que como o país discute mais do que deveria esse assunto, é possível saber, mesmo que por cima, quem é quem na história de João Emanuel Carneiro. Enquanto Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves) são terrivelmente más, Tufão (Murilo Benício) é um otário, daqueles que nos fazem querer tê-lo como nosso credor ou gerente de um banco.

Em tese, a vilã da história é Carminha, e o clamor popular atua no sentido de que ela se lasque nesta sexta-feira. Ou até antes, se possível, embora, ao que consta, ela já tenha passado por maus bocados no meio da novela. O apelo é pela vitória de Nina, mas, imperceptivelmente, torcemos por ela, pois, assim como a personagem vivida por Falabella, somos hipócritas. Aceitamos as nossas barbaridades. As dos outros, jamais. Nina é tão cretina quanto Carminha, embora aquela tenha a seu favor o fato de haver sido uma criança sofrida. Se Mandela fizesse vingança, a África do Sul estava a se matar até hoje.

Sou contra a derrota de Carminha. Se a arte reproduz as vicissitudes da vida, nada mais justo a personagem de Adriana Esteves triunfar. Lembro-me do final da novela Passione, de Silvio de Abreu, em que Clara, interpretada por Mariana Ximenes, barbarizou a vida de Totó (Tony Ramos). No fim, enquanto seu comparsa Fred (Reynaldo Gianecchini) terminou na cadeia, ela conseguira escapar, livre de qualquer perseguição, em um país de raras belezas naturais. Ela enganou e matou, mas venceu, e afrontou o senso comum, porque o público gosta de tudo muito fácil e correto. Só que de facilidade e correção a vida – e o próprio telespectador – não tem nada.

O que se ouvia era: “Como a vilã não morreu ou foi presa? Olha o exemplo que a novela dá!”. E a realidade, caro internauta, que exemplo concede à ficção? Nenhum. O cotidiano é repleto de injustiças, desencontros e canalhices por todos os lados: no trabalho, tem sempre algum safadinho querendo te ferrar; nas ruas, quantos já não tentaram te passar a perna? Na política, sobram representantes que compram votos, que descumprem promessas, que te fazem de Tufão. E que você e eu não nos eximamos dessas culpas, porque é da nossa índole a malandragem aqui e acolá. A maior parte de todas essas coisas não é punida. Por que Carminha há de ser?

A condescendência com a afronta e o crime é tamanha, que ao vermos o STF botar os corruptos no xadrez exaltamos os ministros, especialmente os que votaram pela condenação. No fundo, eles não fazem nada além do básico, que é punir quem infringiu as normas que regem a sociedade e que devem ser válidas a todos, abastados e miseráveis. Mas como a justiça se tornou virtuosa, ao invés de ser praxe, ficamos incontidos quando a bagunça é desfeita e as peças, botadas em seus respectivos lugares.

Ao maravilharmo-nos com a punição a Zé Dirceu, Genoino, Delúbio, Marcos Valério, Roberto Jefferson, afirmamos que a vida é recheada de desilusões. Se as mesmas frustrações daqui estiverem lá, na tela, haverá ali um retrato pouco caricaturesco da vida real.

Que Nina case, seja com quem for. Que Tufão use a sua experiência de enganado para abrir mais os olhos. Que Carminha termine bem, sem morrer, sem ser presa, porque a resolução de todos os nossos problemas, verdadeiros ou fictícios, não passa, necessariamente, pelo abatimento dos incansáveis vilões.

 

 

Thiago Cury é graduado em jornalismo e mestre em comunicação, ambos pela Universidade de Marília (SP). Desde 2009 é professor do curso de jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso e há oito anos escreve para um semanário da cidade de Getulina (SP). Saiba mais em seu blog http://semcensor.blogspot.com.br/

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