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Opinião Sábado, 01 de Fevereiro de 2014, 14:50 - A | A

Sábado, 01 de Fevereiro de 2014, 14h:50 - A | A

Como o Brasil não se preparou para a Copa em 11 anos

Jornalista Inglês, Tim Vickery fala sobre a demora na organização para a Copa do Mundo.

BBC Brasil

por Tim Vickery*

A alta procura por ingressos e pacotes de hospitalidade ajudam a explicar a falta de paciência da Fifa com os prazos assumidos e não cumpridos – e não importa o que se pense sobre o relacionamento entre a Fifa e o governo brasileiro, a Copa do Mundo foi um negócio em que o Brasil entrou (e que o Brasil aceitou) voluntariamente.

Mas uma hora as máscaras caem, como quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, comentou recentemente que, em todos os anos que esteve no comando da entidade, nunca viu uma Copa do Mundo com tantos atrasos. Ele ainda acrescentou que o Brasil foi definido como país-sede da Copa de 2014 em 2007 e, portanto, acabou se beneficiando de um ano extra para se preparar – sete, em vez dos tradicionais seis.

E aqui ele não está sendo generoso. Porque a realidade é que o Brasil não teve sete anos para se preparar. Teve 11.

Um pouco de história: Blatter tentou levar a Copa do Mundo de 2006 para a África do Sul, mas ele perdeu uma votação controversa no Comitê Executivo da Fifa. Por razões políticas, ele não poderia fracassar de novo quatro anos depois. Por isso, junto com Danny Jordaan (presidente da Confederação Sul-Africana de Futebol), ele sugeriu a ideia de revezar o torneio entre os cinco continentes. Em 2010, ele conseguiu decretar: seria a vez da África. Problema resolvido.

E para onde a Copa do Mundo iria depois? A América do Sul, que não recebia o Mundial desde 1978, era o candidato óvio. Então, em março de 2003, Joseph Blatter anunciou que em 2014 seria a vez do subcontinente. O torneio havia dobrado de tamanho desde a Copa da Argentina, em 1978. Quantos países no continente seriam capazes de sediar um Mundial com os 32 times que jogam atualmente? Na realidade, havia apenas um - e assim, alguns dias após o anúncio de Blatter, a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) declarou que o Brasil era o seu único candidato.

(É verdade que a Colômbia rapidamente rompeu com a Confederação e até lançou uma candidatura separada, mas nunca chegou a alimentar sérias esperanças. Ela estava apenas se protegendo contra a vizinha e rival Venezuela, que estava investindo pesado em estádios à época para sediar a Copa América de 2007. O real objetivo da Colômbia – que foi alcançado – era superar a Venezuela na disputa para sediar o Mundial Sub-20 de 2011).

Mas não dá para escapar da verdade: o Brasil sabia que iria sediar a Copa do Mundo de 2014 desde março de 2003. Não havia nenhuma tensão dramática quando, quatro anos e meio depois, a palavra "Brazil" saiu do envelope. Isso simplesmente confirmou o que todos já sabiam. Então por que outubro de 2007 foi tratado, não apenas pela mídia brasileira, como o ponto de partida?

Se tivesse havido uma disputa competitiva pela Copa de 2014, os países candidatos teriam que apresentar propostas. Uma das primeiras coisas que eles teriam quem fazer seria identificar as cidades-sede. Seria um princípio básico, necessário apenas para entrar na briga.

Mas nenhum outro país estava na briga com o Brasil. A disciplina da competição, então, acabou não existindo e abriu espaço para alguns velhos vícios brasileiros; muita politicagem nos bastidores, muita esperteza e pouco progresso. De fato, a consequência da experiência brasileira foi o fim da ideia de revezamento de continentes para sediar a Copa do Mundo.

Nenhuma decisão definitiva sobre as cidades-sede foi tomada até o fim de maio de 2009. Anos foram jogados fora. E uma vez que você fica atrás do relógio, os princípios básicos começam a valer; o custo do que você pode fazer aumenta. A escala do que você pode fazer diminui. E muitos estádios estão atrasados, com o orçamento estourado, enquanto inúmeros projetos de mobilidade urbana, a principal área que iria beneficiar realmente a sociedade, ainda não saíram do papel ou sequer têm chances de ficarem prontas a tempo.

Os estádios são bastante impressionantes. Ainda em 2007, o medo era que eles se tornassem Engenhões, versões maiores do estádio construído no Rio de Janeiro para os Jogos Pan-Americanos de 2007 que custou caro e nasceu obsoleto. Em vez disso, deixando de lado por um minuto a questão dos preços dos ingressos, os estádios são grandiosamente modernos. Eu não voltei lá depois da Copa das Confederações, mas achei a Fonte Nova, em Salvador, um lugar maravilhoso para se apreciar o futebol.

Em termos políticos, porém, o fato de os estádios serem impressionantes cria um problema. Isso ficou implícito – e em muitas vezes explícito – na mensagem dos protestos que estouraram em junho e julho do ano passado; se os estados brasileiros foram capazes de construir essas arenas, então por que seriam incapazes de entregar os serviços públicos no chamado "padrão Fifa"?

O pentacampeão em 2002, Rivaldo, disse outro dia que "o Brasil vai passar vergonha na Copa". Não vejo exatamente assim, embora imagino que haverá problemas e que já ficou claro que o evento não vai cumprir seu potencial para a sociedade brasileira.

Mas a "vergonha" é de quem? Do frentista ou da recepcionista que moram na periferia de uma grande cidade, acordando às 4 da manhã todo dia para chegar ao trabalho? Por que eles deveriam se sentir envergonhados? Eles não tiveram qualquer participação no processo. Não houve nenhum debate público no Brasil sobre os objetivos da Copa do Mundo, sobre quanto a sociedade estava disposta a gastar e o que queria em troca. Por anos, não havia sequer um lugar no Comitê Organizador Local para representantes eleitores pela sociedade (o que, por sinal, é um contraste gritante com a Copa da África do Sul, onde havia um envolvimento generalizado no governo). As pessoas não são porta-vozes das suas nações ou responsáveis por ações da classe dominante.

Infelizmente, todos os atrasos que afetaram a Copa do Mundo de 2014 eram previsíveis. O que não era nem um pouco previsível foi a reação do povo durante a Copa das Confederações, saindo às ruas em centenas, milhares, desafiando a noção que os brasileiros tinham – tinham, no passado – deles mesmos de ser um povo tão passivo a ponto de ser idiota.

O país estava mudando bem em frente aos nossos olhos. O Brasil que existia até maio de 2013 se foi para sempre. Ainda não está claro aonde isso vai nos levar em julho de 2014. Mas aqueles envolvidos na luta positiva para formar uma nova nação não estão passando vergonha. Estão passando para o mundo a visão de um Brasil alternativo, um Brasil mais justo e mais competente.

*Tim Vickery - jornalista Inglês

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