Cansado de levar pancada por ter escrito aqui no Brasil 247 sobre a nova classe média, decidi confessar.
Minha inspiração foi um artigo publicado no Wprost, jornal de Varsóvia, capital da Polonia. Esse texto do jornal polonês deve ter influenciado muita gente. Não fui o único.
O jornalista italiano Luigi Passeto, por exemplo, transcreveu o texto original do filósofo polaco Marcin Król, que chegou até este paraíso tropical via Agência Presseurop, que eu assino nem sei porque.
O texto abre com um alerta assustador: Os nossos dirigentes não percebem que estão sentados sobre um barril de pólvora, adverte o filósofo Król.
Na verdade eu também já esperava algumas críticas quando comecei confessando: eu sou classe média.
Mas acreditem, não me movia nenhum sentimento de superioridade. Não estava me jactando de nada. Ao contrário.
Quando eu disse que era classe média estava me incorporando a uma grande família: um sujeito igual ao aposentado que vive numa rua de vila de uma metrópole ou a moça que trabalha oito horas por dia num salão de beleza.
Nós somos classe média. Ou a nova classe média como preferem alguns.
A dona do estabelecimento, ex-cabelereira que adotou a moda do "empreendedorismo" e montou seu salão de beleza?
Também é classe média.
O operário que saiu do chão da fábrica e tornou-se "encarregado" de um setor na fábrica onde trabalha. Mais um para engrossar esse exército. Ele também é classe média.
Somos milhares, milhões de padrões de vida, idéias, projetos e sonhos, todos embrulhados e enfiados num saco sob o rótulo "classe média". Ou melhor, "a nova classe média".
Foi pensando nisso que eu me atrevi a afirmar que a classe média é que havia feito a revolução francesa.
Tive de ser ágil o bastante para me livrar da chuva de desaforos (sem contar as laranjas podres, os repolhos e até uma sapatilha de balé) arremessados contra a minha rápida aulinha de "Histoire de La Revolution". Isso é o que disse Krol , o filosofo polaco.
Já no meu caso, sem ter pretensão de ensinar História, fiquei na moita, só ouvindo os xingamentos. Não registrei nenhuma sapatilha de balé. Lástima.
Não sei como é na Polônia. Mas aqui, na imprensa local, de uns tempos a esta parte só existem dois tipos de jornalistas: ou são da mídia golpista, ou neoliberais (não sei qual a ofensa é maior) ou são os chamados de governistas ou "petralhas". Por achar que não me cabe nenhuma dessas fantasias, silenciei.
Mas a verdade verdadeira está com o filósofo polaco – e comigo – e não adianta neguinho tentar reescrever a História
Ao contrário do que costuma ser dito (e escrito) por aí, não são os pobres e os desgraçados que fazem as revoluções e, sim, as classes médias.
Foi assim em todas as revoluções de verdade, a começar pela Revolução Francesa. A exceção é a Revolução de outubro, na Rússia. Foi um golpe de Estado produzido por uma situação de desordem política extrema. Também fogem do padrão revolucionário os "golpes" de alguns países, promovidos por militares. Não têm nada a ver com as revoluções.
E que tipo de classe média decide fazer uma revolução?
Não é um indagação fácil de ser respondida. Indagamos qual classe média porque existem, no Brasil pelo menos, várias "camadas"de classe média, e é até possível que alguns golpistas estejam infiltrados em alguma delas.
Na primeira camada estão os indivíduos que não tem a menor chance de organizar um movimento revolucionário. Sempre passivos, às vezes reclamando de que a inflação está alta, que teve de ficar horas na fila do SUS, ou que o material escolar do filho está pela hora da morte.
E, em períodos pré-eleitorais sujeitos a campanhas – como essa do "mais médicos – que só revelam uma coisa: o Brasil está doente há muito tempo.
Claro, ninguém, nesse exército de milhões de pessoas teria condições de deflagrar uma revolução.
Antes de se sublevarem, depositam todas suas queixas e frustrações nas mãos de um líder. Alguém que se revele competente, combativo e especialmente popular.
No Brasil, os exemplos mais recentes de depositários dessa transferência de frustrações da classe média foram Jânio Quadros, Fernando Collor e Lula.
Ideologicamente diversos, até opostos, um ao outro. Mas capazes de incorporar, Jânio e Collor por pouquíssimo tempo, Lula, mais hábil, por um bom período, o espírito majoritário da classe media, tanto a antiga como a nova.
Voltando um pouco no tempo, devo insistir que no caso clássico da Revolução Francesa, o papel de vanguarda revolucionária foi desempenhado por advogados, empresários, funcionários da administração pública e por uma parte dos oficiais do exército.
O fator econômico foi importante, mas não fundamental. Os elementos que desencadearam o movimento revolucionário foram, sobretudo, a falta de abertura na vida pública e a impossibilidade de promoção social.
Ao tentar, a todo o custo, limitar a influência dos advogados e dos homens de negócios, a aristocracia - a elite da época, deu força à revolução.
O que se passa hoje em termos de discriminação? É, simultaneamente, diferente e semelhante, diz o polaco, e eu repito aqui.
É verdade que a elite (na época era a aristocracia) já não detém o monopólio da tomada de decisões,
Mas os banqueiros, os especuladores da bolsa e os gestores, ganham centenas de milhões de reais, dólares ou euros, enquanto afastam habilmente a classe média do processo de decisão.
As verdadeiras revoluções não emergem por causa de um pibinho ou de um pibão grandulhão. Ou por um índice de inflação, alguns pontos além da média prevista. Isso tudo pode acontecer, e está acontecendo.
Vai gerar muita choradeira por parte de largas camadas da população, pode produzir até um pequeno desemprego, mas não se transformará em revolução.
Um revolução acontece, isso sim, quando as vias de progresso da classe média, seja a nova ou a velha, majoritariamente jovem, se sentem bloqueadas por milionários, por velhos ou por aqueles que parecem velhos aos olhos de uma pessoa de 25 anos. É essa uma situação explosiva.
É um erro pensar que os jovens encolerizados contra o sistema, mas que não dominam a linguagem habitual dos partidos políticos e dos movimentos políticos estruturados, não irão chegar à revolta organizada.Podem, um dia chegar lá.
No entanto, nunca se fez uma revolução em nome de uma medida específica, por exemplo, uma supervisão bancária mais rigorosa, ou uma tarifa zero. Mas fez-se em nome de não continuar a ser possível viver assim. Nós, por enquanto, sobrevivemos.
Uma revolução, em oposição total com os métodos dos partidos políticos, não utiliza linguagem política. A revolução grita e berra.
O som revolucionário é por natureza desordenado mas quase sempre bem audível, escreveu o filósofo Król.
Então, queremos ou não queremos uma revolução?
Em meu entender, provavelmente não, porque revolução significa a destruição total, antes da construção de uma nova ordem. É o que todos nós esperamos.
Dito isto, os nossos responsáveis políticos continuam sem perceber que estão sentados em cima de um barril de pólvora.
Seja na Polônia, seja no Brasil.