Apesar de combater o tráfico de drogas com pena de morte, o governo da Indonésia ignora o livre comércio de tóxicos que ocorre nas próprias prisões onde estão os condenados por esse tipo de crime. Quem denuncia a situação é o surfista e empresário de Niterói Rogério Paez. Ele ficou preso durante oito anos, naquele país, junto com Marco Archer Cardoso Moreira, 53, executado no complexo prisional da ilha de Nusa Kambangan no último sábado.
Detido em 2003 com apenas três gramas de haxixe, Paez contou ao DIA detalhes de como era a vida no presídio onde cumpriu pena. Para ele, hoje com 60 anos, o assunto é tratado com hipocrisia na Indonésia, já que os próprios guardas das prisões vendem as drogas.
“Em Bali, o pessoal vinha fazer visita e cobrava 20 miligramas disso, 30 daquilo. Nesse de segurança máxima (Nusa Kambangan), os chefões davam 50 ou 100 miligramas para o guarda levar para dentro. Dava metade para o cara vender lá dentro e o resto para quem quisesse usar. Mas, em Bali, era atacadista, vendia heroína, ecstasy, metanfetamina.”
O empresário diz que, em certas situações, a venda de drogas era tão explícita que lembrava até o comércio de praia. “O bloco (dos presos)era em um andar só, em formato de octágono. Vinha um guardinha da prisão como se estivesse vendendo sorvete ou biscoito. Ele dizia: ‘tem arak (bebida) e tem putaw (heroína). Quer putaw?’ Tirava a bota e pegava um canudinho assim com heroína. Arak é uma cachaça de terceira”, contou.
Do tempo em ficou preso, o empresário disse acreditar que gastou mais de U$ 100 mil entre advogados e a extorsão policial para poder ter acesso a coisas básicas como alimentação, travesseiro, livros e outras comodidades como televisão, ventilador e laptop. Paez diz que, mesmo no presídio de segurança máxima, tudo tinha preço, desde a cela até idas à praia ou ao médico.
“Dependia do bolso do cara. Se você tivesse dinheiro, como vários lá tinham, pegava uma cela do tamanho de metade dessa sala, com laptop, antena parabólica, cara para lavar o chão, fazer comida e droga à vontade. Mais do que do lado de fora”, explicou. Paez foi condenado a 11 anos, mesmo enquadrado como usuário de haxixe. Em 2011, ele teve remissão de pena e voltou a morar coma família em Niterói.
Cela do rato’ está entre as piores lembranças de Paez
Os oito anos em que ficou preso na Indonésia deixaram marcas permanentes na memória de Rogério Paez. Engenheiro civil, fluente em oito línguas, ele jamais imaginou que seu sonho de surfar em Bali terminaria na prisão. Entre suas piores lembranças estão os 17 dias que passou na ‘cl tikus’, cela do rato, a solitária da Indonésia. “Você só entra de cueca. Não pode lençol ou camisa. Imagina se um gringo se mata lá, é a maior confusão para eles”, conta.
Antes de descrever o local, ele respira fundo. “Era do tamanho de uma cama de concreto. Atrás (da cama) ficava uma água fétida e podre. Nas celas é assim para tomar banho e do lado um buraco no chão para fazer as necessidades, só que seco de cocô até em cima, com papelão e duas sandálias de dedo em cima. Tem uma janelinha, mas você fica no escuro”, lembra.
Paez diz que o único contato com o exterior é feito na hora que os guardas entregavam a comida que, segundo ele, era terrível. Após um tempo na solitária, ele revela que descobriu por qual motivo o local tinha o nome de ‘cela do rato’. “Quando você vai fazer xixi, as fezes secas amolecem e as ratazanas aparecem. Sorte que elas não são voadoras porque eu ficava na cama com os pés para cima e elas não subiam. Barata e mosquito, eu já tinha me acostumado”, recorda.
O pior, porém, aconteceu quando ele finalmente conseguiu enxergar a cela. “Um camaronês preso por dólar falso arrombou a janelinha de trás e me deu um livro de budismo e água, iogurte, maçã e uma vela. Minha maior depressão foi quando eu acendi a vela e vi onde eu estava”, desabafa. Nesses momentos, ele diz que até pensou em cometer suicídio. Desde que voltou ao Brasil, Paez prepara um livro sobre sua vida que deve sair este ano.
Nesta terça-feira, o repórter da TV Globo Márcio Gomes e seu cinegrafista foram detidos e deportados pelo governo da Indonésia, após cobrir o desfecho da execução de Marco Archer.
Gularte teria esquizofrenia
Arrasado, Rogério Paez diz que quase não dorme desde que o amigo Marco Archer foi executado na Indonésia. Os dois se conheceram no Rio há anos, mas só se tornaram próximos na prisão. Na ilha de Nusa Kambangan, o empresário também conheceu o paranaense Rodrigo Gularte, de 42 anos, o próximo na lista do corredor da morte da Indonésia.
Diagnosticado com esquizofrenia, Paez confirma que Gularte demonstrava problemas psicológicos. “Eu senti o agravamento no decorrer do tempo. Ele ficava discutindo com a parede, sozinho. Não queria comer e depois uma época só queria comer vagem. Ficava trancado no quarto e parou de jogar futebol”, conta o empresário.
Ele está se engajando em uma campanha junto com a família do paranaense para que ele saia da prisão para fazer tratamento psicológico. “Já estamos mobilizando uma campanha. A gente tem que respeitar a soberania da Indonésia sobre a pena de morte, mas tem uma brecha de que ele, doente, tem direito de ser atendido fora do presídio, especialmente um estrangeiro. O Itamaraty tem de levantar essa brecha”, defende.
Paez diz que, na última vez que falou com Marco Archer, há 20 dias, ele já tinham noção de que a situação havia se agravado. “Ele ainda não sabia, mas já estava com muito medo. As informações correm. Os próprios guardas trazem de cima”, afirma. Os dois até conversaram sobre a possibilidade da execução. “Ele falou que achava que ia acontecer, e que, se tivesse que acontecer, era muito triste”, revela.
Marco Archer foi preso em 2004 ao tentar entrar no país com 13,4 quilos de cocaína escondidos em tubos de uma asa-delta. Já Rodrigo Gularte foi flagrado pela polícia um ano depois com 6 quilos de cocaína ocultos em pranchas de surfe.