O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondonópolis obteve quatro liminares contra a Usina Porto Seguro de Açúcar, Etanol de Bioenergia, localizada no município de Jaciara. Foram ajuizadas cinco ações contra a Usina. Uma delas visa proibir o pagamento por produção no corte manual da cana-de-açúcar. Além da exposição excessiva ao calor, o MPT aponta que a atividade exige muita sobrecarga muscular, o que inviabiliza a remuneração do trabalhador com base apenas no seu desempenho individual.
A juíza Gisleine Maria Pinto, que atua na Vara do Trabalho de Rondonópolis, fixou, na decisão, multa para os casos de descumprimento das obrigações destacadas pelo MPT. Uma audiência está marcada para o dia 24 de outubro.
Entre as irregularidades constatadas estão o aliciamento de mão de obra, condições sanitárias e de alojamento precárias, não fornecimento de equipamentos de proteção, fraude no recolhimento do FGTS e imposição de obstáculos para constituição e atuação da CIPA.
Com as liminares, a empresa deverá, imediatamente, sob pena de multa de R$ 1 mil por ocorrência, abster-se de recrutar e transportar trabalhadores em local diverso de sua origem sem a obtenção de Certidão Liberatória emitida pelo Ministério do Trabalho. Deverá, ainda, abster-se de utilizar-se de “gatos” para o recrutamento de trabalhadores. Nos casos em que houver a contratação de pessoas fora da região de Jaciara, deverá arcar com as despesas de deslocamento dos empregados, seja no início da contratação, seja para retorno ao local de origem. Há relatos de que o “gato” a serviço da companhia cobrava R$ 110 dos empregados para fornecer a eles o transporte até o local de trabalho. Houve ainda determinação de que o pagamento seja realizado até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido, sejam pagas corretamente as verbas rescisórias, 13º salário e sua antecipação, além de concessão de férias no período próprio, sob pena de multa de R$ 500,00 por trabalhador e por mês de ocorrência. A Usina conta atualmente com mais de mil e quinhentos empregados.
A procuradora do Trabalho Vanessa Martini pontua que as medidas contra o aliciamento e os aliciadores visam evitar ocorrências de trabalho escravo, atividades criminosas ligadas ao tráfico de seres humanos, bem como propiciar acompanhamento da situação dos trabalhadores deslocados por parte dos sindicatos e órgãos públicos.
A liminar também determina que a usina deixe, imediatamente, de realizar o pagamento de salário por meio de terceiros, repassando as quantias diretamente a cada empregado, por depósito em conta individualizada. A empresa também está proibida de realizar “pagamento por fora” e de fornecer holerites que não correspondam à realidade das quantias efetivamente pagas.
A Porto Seguro tem prazo de 10 dias para fornecer aos empregados, gratuitamente, todos os equipamentos de proteção individual necessários, bem como fiscalizar o seu uso. Foi estabelecida multa de R$ 500 por trabalhador em caso de descumprimento.
A magistrada concedeu, ainda, prazo de 30 dias, para que a companhia realize as adequações estabelecidas nas Normas Regulamentadoras nºs 31 e 24 do Ministério do Trabalho, disponibilizando instalações sanitárias nas frentes de trabalho, vestiários limpos com chuveiros, portas para evitar o devassamento; material de limpeza, enxugo ou secagem das mãos nos lavatórios; e alojamentos com armários individualizados. A multa é de R$ 1 mil por dia para cada item descumprido.
Pagamento por produção
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaciara, a norma coletiva da categoria, hoje, estipula remuneração por metro linear da cana crua e por tonelada da cana queimada, sendo que, no primeiro caso, o valor pago aos empregados contratados por prazo indeterminado é de R$ 0,24, e, no segundo, de R$6,06 a tonelada.
Explica a procuradora do Trabalho Vanessa Martini que o sistema de pagamento por produção, associado à precarização dos alojamentos e condições de trabalho precárias, pode agravar os riscos de acidentes e o desgaste prematuro dos trabalhadores e até levá-lo à morte por exaustão. Ela ressalta que a Norma Brasileira de Ergonomia (NR-17 da Portaria 3214/78 - Ministério do Trabalho) não admite o pagamento por produção quando há riscos à saúde do trabalhador, uma vez que o induz a ultrapassar seus limites fisiológicos em busca de um rendimento financeiro maior.
“O desgaste da atividade do cortador de cana implica penosidade e insalubridade que não se coadunam com a remuneração por produção, porquanto por evidente o trabalhador irá até o limite de suas forças para conseguir melhor remuneração, de forma que o direito à saúde resta prejudicado, em detrimento do aspecto financeiro”.
No total, o MPT pede nas cinco ações a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 10 milhões. A quantia leva em conta, entre outros aspectos, o caráter punitivo e pedagógico. A usina se recusou a assinar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e regularizar a situação, obrigando o MPT recorrer ao Poder Judiciário.
De acordo com a juíza Gisleine Maria Pinto, “a opção da empresa requerida de não firmar Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho (...) autoriza a presunção de continuidade da conduta ilícita sob enfoque, já que revela indisposição patronal de sanar as irregularidades em questão”.
Inspeção
Em inspeção feita pelo analista de Engenharia e Segurança do Trabalho do MPT na Porto Seguro após o recebimento da denúncia, foram comprovadas várias irregularidades nas frentes de trabalho envolvendo indisponibilidade de instalações sanitárias (as necessidades fisiológicas eram feitas no meio da plantação); falta de água para a higienização das mãos; e ausência de local adequado para as refeições.
Os trabalhadores informaram em depoimento que faziam refeições dentro do ônibus, mas que, na maioria das vezes, a comida era consumida a céu aberto, sem nenhuma proteção e sem a disponibilidade de bancos, cadeiras ou mesas. O MPT constatou, ainda, casos de trabalhadores desprovidos de EPIs ou situações em que estes estavam em avançado processo de desgaste.
A gravidade da situação foi novamente verificada em inspeção realizada em julho deste ano pelo MPT e pelo Ministério do Trabalho (MTb), GRTE de Rondonópolis. Na ocasião, a Procuradora do Trabalho Vanessa Martini e os Auditoras Fiscais do Trabalho Luiza Carvalho Fachin e Cristina Rosa Lopes testemunharam, inclusive, que os empregados da colheita manual, a maioria natural do Maranhão, estavam paralisados, reivindicando melhores condições de trabalho e questionando o preço pago pelo corte de cana.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaciara, a usina recruta trabalhadores de outras regiões do país mesmo quando há mão de obra disponível na cidade com o objetivo de retaliar os empregados locais que exigem melhores condições de trabalho.
“No caso, conforme constou em ata de audiência realizada com o sindicato, há inclusive uma discriminação entre os trabalhadores da região e aqueles aliciados, porquanto estes, para alcançarem melhores remunerações, acabam se sujeitando ao labor em condições precárias, como trabalhar na chuva e não usufruir do período de almoço, para conseguirem trabalhar mais, alcançando maiores remunerações. Assim, a empresa acaba optando por empregados de outras regiões para manter o ciclo de exploração. Tal situação decorre da forma de remuneração por produção, já que estes trabalhadores não conseguem alcançar os níveis salariais em suas regiões de origem, salienta a procuradora.
Nessa última fiscalização, o MTb lavrou 16 autos de infração, apontando, ainda, irregularidades no atraso no pagamento de salário e do 13º e na constituição de CIPA. (Com informações do MPT/MT)
Entre no grupo do VGNotícias no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).