Três semanas de investigação mostram o lado triste de uma história. O Fantástico descobriu que muita gente caiu no conto da página falsa da Fifa e pagou por um ingresso que não existia. E sabe de onde o cambista que vendeu ingresso para o repórter Carlos de Lannoy comanda seus negócios? De dentro de um quartel no Rio de Janeiro.
Nem o carro de polícia intimida os cambistas.
No Rio, eles atuam sem disfarce, a poucos metros do Centro de Distribuição de Ingressos da Fifa, numa área nobre. Um deles se apresenta como bombeiro. “Tem muita gente aí. Você está querendo vender ou está querendo comprar?”, pergunta.
Mais tarde, por telefone, voltamos a conversar com ele.
Fantástico: Você disse que tinha de Fortaleza e Natal?
Cambista: É, Natal e Fortaleza. Natal é Uruguai e Costa Rica. Fortaleza é Uruguai e Itália.
Em outro telefonema para o mesmo homem, mostramos interesse também por jogos em São Paulo.
Cambista: Tenho uns amigos meus em São Paulo que podem lhe mostrar.
Fantástico: Você vai me dar o telefone do rapaz em São Paulo?
Cambista: Eu vou dar o dele para você.
Passamos o número para a nossa equipe de São Paulo.
Fantástico: Você tem ingresso?
Cambista: Tenho, tenho.
Fantástico: Você tem para o jogo Uruguai e Inglaterra?
Cambista: Tenho, tenho.
Marcamos encontro com o cambista. Ele pede alto pelos ingressos de Uruguai e Inglaterra, na Arena Corinthians.
Cambista: Quantos ingressos você está precisando?
Fantástico: Quarenta mais ou menos.
Cambista: Está mil dólares cada um.
Fantástico: Mil dólares cada um?
Cambista: Cada um.
Mil dólares são cerca de R$ 2.200. O ingresso oficial mais caro para Uruguai e Inglaterra custa R$ 350. Mas, na última hora, o cambista de São Paulo desiste de vender os ingressos que afirmava ter.
No Rio, a negociação foi em frente. “Tenho para todos os jogos. Tenho Argentina e Bósnia, Espanha e Chile, Rússia e Bélgica, França e Equador”, diz o cambista.
O Fantástico acertou a compra de um ingresso com o cambista bombeiro, que se apresentou como sargento Rogério. Ele marcou o encontro no quartel central do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.
A equipe encontrou o cambista à paisana. Ele leva a equipe até uma sala no primeiro andar, a poucos metros da sala do comandante-geral. Rogério tira um bolo de ingressos do envelope. Manuseia dezenas de bilhetes. Várias opções de jogos.
“França e Equador, 25 de junho, estádio Maracanã”, afirma Rogério.
O ingresso de R$ 60 é negociado por R$ 1.200 - 20 vezes o valor original.
O Estatuto do Torcedor proíbe a venda de um ingresso por preço superior ao indicado no bilhete. A pena prevista é de até quatro anos de cadeia.
Fantástico: Para a final você não tem?
Cambista: Estou apanhando amanhã.
Fantástico: E ele está a R$ 9 mil?
Cambista: É, o dele é R$ 9 mil.
Na saída, Rogério afirma ter quase R$ 250 mil em ingressos: “R$ 80 mil. Lá em casa tem mais uns R$ 140 mil, R$ 160 mil em mercadoria, fora o que está entrando”.
O bombeiro dá a entender que participa de um esquema. “O maior problema disso tudo é que eu não posso perder o lote. Se eu negar fogo, entra outro no meu lugar e eu nunca mais entro. Eu compro ingresso de fora do Brasil, só para você ter uma ideia. É um sistema”, afirma Rogério.
Oportunistas como Rogério estão de olho em quem não conseguiu comprar ingressos no site da Fifa.
“Tentei bastante, inclusive tentei a final, no mesmo pedido e só consegui quarta de final”, afirma um torcedor.
Segundo a Fifa, já foram vendidos 2,5 milhões de ingressos. Quase 1,6 milhão foram para torcedores brasileiros. Até a Copa, lotes menores ainda serão postos à venda, sempre pelo site da Fifa. Uma disputa acirrada, difícil.
Em 2010, na África do Sul, pessoas que compraram ingressos falsificados foram barrados na final da Copa, entre Espanha e Holanda, no Soccer City, em Joanesburgo. No Brasil, vários torcedores estão sendo vítimas de golpes pela internet. Sites oferecem entradas por até 50 vezes o valor oficial. E pior: são ingressos falsos.
Uma mulher, que não quis mostrar o rosto, se cadastrou no site da Fifa. Dias depois, ela recebeu um e-mail de outro site com o aviso de que tinha sido sorteada. E pagou o boleto enviado: R$ 720 por quatro ingressos.
“Quando anunciou a liberação dos ingressos para a retirada, eu me dirigi ao Centro de Eventos do Ceará e, na ocasião, fui informada de que não existia ingresso no meu nome”, conta ela.
Os tíquetes seriam para ela e três irmãos menores. “E eles estavam muito felizes porque vinham participar do jogo do Brasil, logo do Brasil, da Seleção Brasileira. Choraram muito. Ficaram muito tristes”, lamenta.
Com Roberlândio, foi a mesma história. Ele mora no interior do Ceará, em Frecheirinha, a quase 300 quilômetros de Fortaleza.
Roberlândio entrou num site para comprar três ingressos para o jogo Brasil e México, na Arena Castelão. Dias depois, recebeu a mensagem de confirmação e o boleto bancário.
“Feliz e alegre por ter sido contemplado para comprar os ingressos, paguei”, lembra ele.
Pagou R$ 542, aproximadamente o salário que ele recebe por mês. “Saí de madrugada, 4h, para passar o dia todo aqui. E chegando aqui, passar por esse constrangimento”, afirma Roberlândio.
Os casos estão sendo investigados. “A polícia agora vai fazer uma análise tanto do acesso que foi feito da máquina dele, qual é o IP que fez esse direcionamento, como também nós vamos através do próprio banco saber para onde é que foi feito esse depósito”, explica o delegado Jaime Pessoa.
O Fantástico enviou para a Fifa o ingresso vendido pelo sargento Rogério. Segundo o departamento de imprensa da Federação Internacional de Futebol, o ingresso está correto e foi comprado em novembro de 2013.
A entidade lembrou também que torcedores que não puderem mais ir ao jogo podem devolver seus ingressos à Fifa pela internet ou diretamente em um centro de distribuição de entradas.
O Fantástico tentou gravar entrevista com o sargento Rogério.
Rogério: Alô.
Fantástico: Alô, é Rogério?
Rogério: Eu.
Fantástico: Aqui é da TV Globo, do programa Fantástico. A gente recebeu uma denúncia de que o senhor está vendendo ingressos da Copa do Mundo como cambista.
Rogério: Não, não sou eu não, meu amigo.
Fantástico: Você não é sargento do Corpo de Bombeiros?
Rogério: Eu sou sargento do Corpo de Bombeiros.
Fantástico: Você vende ingressos dentro do quartel?
Rogério: Negativo, negativo.
O Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro informou em nota que vai apurar a denúncia. E que, se o crime for constatado, levará o caso ao Ministério Público.
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