por Julianne Caju e Paula de Ávila Assunção*
Infelizmente ainda precisamos falar sobre abusos, violências e exploração de crianças e adolescentes. Infelizmente essa temática ainda é manchete dos jornais. Infelizmente muitas crianças e adolescentes sentem em seus corpos a dor de ser abusada, tocada sem seu consentimento, violentada e explorada sexualmente. Infelizmente o número de casos tem aumentado. Infelizmente essa temática ainda não é tratada com todo o compromisso, responsabilidade e ação efetiva da Família, do Estado e da Escola.
Infelizmente essa temática ainda é tabu em pleno século XXI. Infelizmente muitas pessoas ainda preferem zelar e manter o “status quo” do que falar, denunciar e registrar queixa contra o abusador. Infelizmente muitas famílias, muitos educadores e várias instituições ainda não consideram as vozes das crianças e dos adolescentes. Infelizmente nossa sociedade ainda impera que crianças são um vir a ser, quando na verdade, elas já são cidadãos de direitos e respeito. Infelizmente a forma como essa mazela social vem sendo tratada não tem diminuído os casos, e principalmente não tem protegido de fato as crianças e os adolescentes desse crime.
Infelizmente nossa sociedade ainda tem dificuldade para olhar para a raiz do problema. Infelizmente dar nomes às situações difíceis no nosso país causam melindre e falta coragem para debater, dialogar mais e mais sobre os fatores que causam os abusos e as violências contra crianças e adolescentes. Infelizmente ainda não entendemos que só vamos resolver um problema se dermos nomes à ele, caso contrário, o negacionismo vai tomar conta e vamos continuar fingindo que estamos lutando para eliminar esse problema que afeta muitas famílias e causa danos muitas vezes irreparáveis nas vítimas.
É mais que necessário olharmos para a forma como nossa sociedade é constituída. É mais que necessário refletirmos sobre gênero, educação sexual, direitos, narrativas que constroem pontes e as que diminuem os muros entre os que encaram os problemas e os que os colocam debaixo do pano. Porque esse é um assunto que é tabu. Ele é delicado, espinhoso, porém é mais que necessário falarmos, dialogarmos e pensarmos em ações efetivas que realmente livrem nossas crianças e adolescentes desse pesadelo.
Refletirmos sobre o que falamos e como falamos com as crianças é um dos caminhos para evitar que elas sejam violentadas ou que venham a ser possíveis abusadores. Diante disso tudo trazemos diálogos sobre frases que vem sendo ditas há muitos anos que reforçam o preconceito de gênero, ou seja, palavras que reproduzem a desigualdade entre homens e mulheres, que estimulam comportamentos de abusos e violências de meninos contra as meninas ou de meninas contra meninos.
Evite dizer as frases: “seja homem”, “você tem que ser forte,” “quanta moleza, rapaz não chora”. Se entendemos que cada pessoa é única no mundo, devemos respeitar o jeito de ser de cada criança. Essas frases carregam a simbologia de que todo homem deve ser muito diferente das mulheres no que compete a ter atitudes mais sensíveis, carinhosas e afetuosas. Além disso, se faladas, essas frases exigem que o menino faça uso de poder sobre as meninas. Elas também tiram do menino o direito de demonstrar seus sentimentos, sejam eles, de alegria ou de tristeza. Chorar faz parte de todo ser humano. É uma ação do corpo de cada um de nós. Então não podemos impedir que as lágrimas escorram dos rostinhos dos meninos. Assim eles crescerão pessoas livres que deixam suas emoções aparecerem e aprendem desde cedo a lidar com elas de forma mais humanizada.
Mas o que essas frases têm a ver com abuso e violência sexual? Tudo. Especialmente para os meninos vítimas de abuso. Os relatos deles mostram que muitos preferiram ficar quietos porque foram ensinados que homem não demonstra fraqueza, que tem que aguentar tudo que ocorre, que se chorar é porque é “mulherzinha”. Em vez disso, podemos ensiná-los que mulheres e homens são iguais, que ambos têm sentimentos e estes podem ser demonstrados livremente.
Outras frases que não devemos dizer aos meninos: “cadê as namoradinhas”, “quantas você já beijou na escola”, esse vai ser pegador”, “esse vai arrasar corações”, “na sua idade eu já tinha pego todas as meninas da roda”, “se ela der em cima, vai pra cima”, “tá na hora de você aprender como que vira garanhão”. Todas elas reforçam estereótipos de que homem deve ter muitas paqueras, estimulam ideias e atitudes erradas e preconceituosas. Pesquisas mostram que de muito escutar essas falas, muitos meninos incorporam a necessidade de conquistar a qualquer custo as meninas do seu convívio.
As frases “homem que é homem fala palavrão”, “menina não fala palavrão” instigam que as crianças cresçam sob desigualdades de gênero. Se sabemos que xingar não é certo em nenhuma situação, por que estimulamos isso nas crianças? Se sabemos que pronunciar palavras ofensivas, agressivas e impróprias é errado, por que estimulamos que os meninos as digam? Será que conseguimos olhar na raiz disso e enxergar as simbologias e as consequências de tais vocábulos para a vida adulta das nossas crianças?
Mais frases sexistas normalmente ditas às meninas "tem que dar o respeito", "sente que nem mocinha", "você não pode, porque é menina", “isso é brincadeira de menino” também devem ser tiradas do convívio familiar e social. Meninos e meninas devem ser respeitados (é direito de todo cidadão), devem ter as mesmas oportunidades de brincar com o que quiserem (afinal de contas os brinquedos são paras as crianças) e de serem o que quiserem ser (profissões são de pessoas, independente do gênero). Isso diz respeito até a forma como as crianças sentam. Elas podem escolher a maneira mais confortável e segura para repousar seu corpo. Não é legal que as roupas íntimas fiquem à mostra, então devemos orientar aos meninos e às meninas quanto a esse cuidado.
Já as frases "ele puxou seu cabelo, deve estar apaixonado por você", “já pode casar”, “se continuar assim, vai ficar pra titia” carregam pesos incalculáveis sobre consentimento e relacionamento afetivos. Puxão de cabelo é um ato de violência, jamais pode ser considerado uma demonstração de carinho. Isso vale também para beliscões e empurrões. Amor e violência não andam juntos. Se sabemos que a divisão de tarefas é importante para todos que moram na casa, por que continuamos afirmando que quando a menina faz bem uma tarefa doméstica já pode casar? Será que isso não a faz pensar que para ser feliz tem que ser uma boa dona de casa e que casamento é a única opção de projeto de vida para ela? Que se isso não ocorrer ela será infeliz? Que tal ensinar as crianças que contribuir com os afazeres domésticos é fazer para a família? Se todos dividem o trabalho da casa, todos terão mais tempo para fazer outras atividades sozinhos ou juntos. Isso não parece ser o mais justo e humanizado a ocorrer nas casas de todos nós?
Alguns podem dizer: “quanto exagero”, “crescemos ouvindo isso e nem por isso fui abusado ou abusei de criança”, “nossa, agora não pode dizer mais nada, nem fazer uma brincadeirinha” e por aí vai. Nós, afirmamos nosso compromisso em criar pontes, em cutucar a zona de conforto, em desassociar o lugar comum e principalmente em construir uma sociedade mais humanizada, mais compromissada e mais respeitosa. Reafirmamos que as mazelas sociais, tais quais os abusos e violências contra crianças e adolescentes, precisam ser resolvidos a partir das raízes do modo como nossa sociedade foi constituída. Quando juntarmos nossas mãos para os modos como criamos as meninas e os meninos, vamos, de fato, proteger as crianças desse mal que, infelizmente, ainda está enraizado em nossa sociedade.
*Julianne Caju – Jornalista, Professora, Mestra em Educação/UFMT, Doutoranda do PPGECCO/UFMT
*Paula de Ávila Assunção - Assistente Social, Mestra em Educação/UFM, Pós-Graduanda Terapia Familiar Sistêmica/ CEFATEF
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