por Petrônio Souza Gonçalves*
Os roteiros mais lindos de Belo Horizonte são os que não existem. Aqui a poesia morou, viveu e fez escola. Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura, Gustavo Capanema e Milton Campos foram os primeiros, mostraram o caminho e acenderam a chama. Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Helio Pelegrino e Paulo Mendes Campos marcaram encontro e sopraram o velho vento da aventura. Em uma sucessão de gerações, jovens aqui nascidos e ungidos naquilo que já povoava a cidade, traduziram o que pairava sobre a capital que tinha uma vocação natural para a arte. Era a vez do lendário Clube da Esquina, que está aqui até os dias de hoje.
Como testemunha de tudo que viu bem de perto, o viaduto de Santa Tereza assistiu a todas essas estações, fazendo ponte entre a cidade que existia e a poesia que escorria pelas ruas. Cada geração cantou ao seu modo a saudade que havia dentro de cada um, o vazio que sentimos aqui dentro sem saber ao certo do que é. Acredito na força imanente das coisas que não são deste mundo e se edificam aqui só para termos certeza de que elas não existem. Assim vejo os arcos do viaduto de Santa Tereza como um umbral, que inspira a todos que passam por sobre eles. Foi assim com Drummond, que depois de passar a noite subindo Bahia e descendo Floresta, passava por cima dos arcos no caminho de sua casa, que ficava na rua Silva Jardim, 107. O relato é real do guarda que o flagrou lá no alto do arco de madrugada e lhe deu voz de prisão. Drummond respondeu: “Tudo bem, mas se quiser me prender terá que vir aqui”. O guarda que era desprovido de primaveras, temeu. Esperou por um tempo e foi embora. Drummond, pouco tempo depois, desceu e seguiu seu caminho natural, povoado de estrelas.
Fernando Sabino deu continuidade à tradição transcendental dos primeiros anos da capital e subiu nos arcos buscando o infinito. Tornou-se um encantado, para a vida toda. Depois, cheios de esquinas e muitos horizontes, os meninos de Santa Tereza liderados por Lô Borges - após curtirem o centro efervescente da cidade - voltavam sem bonde para Santa Tereza, depois de colher algumas estrelas caídas da cortina da noite. Assim Belo Horizonte se edificava, erguia ao céu, sem ser horizontal.
Retomando os caminhos Drummondianos na Belo Horizonte eterna, um grupo de poetas fez o mesmo percurso do jovem Carlos e pode ver como a cidade definha de forma uniforme. O viaduto tornou-se um flagelado, cheio de buracos e remendos, com seus postes carcomidos pelo tempo e a infalível insensibilidade humana. Não lembra, nem de longe, que foi um marco na Belo Horizonte que crescia, um símbolo da modernidade, quase uma ponte para o futuro. Como testemunha de todas essas coisas que faziam a vida da cidade e que não existem mais, o viaduto de Santa Tereza tornou-se um fantasma desolado, um reles ignaro esquecido, que todos passam por ele e nem o veem.
Assim vai a cidade, ficando pobre de nós mesmos, com seus homens do poder destruindo os nossos sonhos, acabando com nossas lembranças, assassinando todas as nossas esperanças... E como dói.
*Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor.
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