por Etevaldo Balbino*
As prerrogativas da advocacia não são privilégios pessoais do advogado, mas garantias para a efetividade da ampla defesa, um direito fundamental consagrado pela Constituição Federal de 1988. No artigo 5º, inciso LV, a Carta Magna assegura que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são garantidos o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes." Entre esses meios, destaca-se o direito à comunicação reservada entre advogado e cliente, fundamental para a construção de uma defesa justa e técnica.
Nesse contexto, causam perplexidade as recentes declarações do Procurador-Geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Júnior, que sugeriu a possibilidade de gravação de conversas entre advogados e clientes vinculados a facções criminosas. Tal proposta não apenas ignora os limites constitucionais e legais, mas também fere de morte o Estado Democrático de Direito, criminalizando prerrogativas indispensáveis ao exercício da advocacia.
A comunicação confidencial entre advogado e cliente é protegida pelo artigo 7º, inciso III, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), que assegura o direito de o advogado "comunicar-se com seus clientes pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos." O sigilo profissional, por sua vez, está garantido pelo inciso II do mesmo artigo e encontra respaldo no artigo 133 da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade do advogado por seus atos no exercício da profissão.
Essa proteção não é uma escolha, mas uma obrigação para garantir que todos, sem exceção, tenham acesso à ampla defesa, independentemente da gravidade das acusações que enfrentam. Violá-la, sob o pretexto de combater o crime organizado, equivale a demolir um dos pilares do devido processo legal, assegurado pelo artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e pelo artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ambos ratificados pelo Brasil.
Permitir a gravação de conversas entre advogado e cliente, ainda que sob justificativas aparentemente legítimas, seria abrir um precedente perigosíssimo. Hoje, são os acusados de ligação com facções criminosas; amanhã, quem será o próximo alvo? Não se combate o crime violando direitos fundamentais, pois o Estado deve ser o primeiro a respeitar as regras que impõe. Caso contrário, arriscamos transformar o sistema de justiça em um instrumento de exceção, onde a presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) é substituída por uma presunção de culpabilidade.
A advocacia, como função essencial à administração da justiça, deve ser exercida livre de intimidações ou suspeições. A tentativa de criminalizar o sigilo profissional, sob qualquer pretexto, é uma afronta não apenas à classe advocatícia, mas a toda a sociedade, que pode ver seus direitos erodidos por medidas autoritárias disfarçadas de segurança pública.
Concluímos reafirmando que as prerrogativas da advocacia não pertencem ao advogado, mas ao cidadão que ele representa. A defesa de tais prerrogativas, especialmente o sigilo e a comunicação reservada, é indispensável para assegurar que a justiça seja feita dentro dos limites constitucionais. A proposta de gravação de conversas entre advogados e clientes deve ser veementemente rechaçada, pois sua implementação representaria um retrocesso inaceitável na garantia dos direitos fundamentais e na preservação do Estado Democrático de Direito.
*Etevaldo Balbino é advogado em Sinop
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