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Artigos Sexta-feira, 08 de Setembro de 2017, 13:50 - A | A

Sexta-feira, 08 de Setembro de 2017, 13h:50 - A | A

opinião

Roubo legalizado

por Lucas Rodrigues *

As imagens dos maços de dinheiro sendo repassados a deputados e ex-deputados pelo assessor do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), Sílvio Araújo, geraram uma revolta previsível da população em relação ao saque dos cofres públicos que ocorria no Estado.

Contudo, me causa desconforto quando este escândalo é citado com o verbo ocorrer conjugado no pretérito imperfeito: “ocorria”.

Talvez um desconforto ainda maior do que ver políticos carregando dinheiro de propina em uma caixa de papelão – que deselegante, como diria a jornalista Sandra Annenberg.

A roubalheira não só “ocorria” em um pretérito para lá de imperfeito, como ainda ocorre, no presente mais do que imperfeito, ainda que tal conjugação verbal não exista.

O que antes era supostamente pago como “mensalinho” nas últimas gestões, que variava de R$ 30 mil a R$ 50 mil, atualmente, é chamado por uma nomenclatura mais elegante: verba indenizatória, fixada em R$ 65 mil.

É importante traçar um paralelo histórico para entender como ocorreu essa “gourmetização” das vantagens indevidas, hoje aceitas sem qualquer constrangimento tanto pelos beneficiários quanto pela própria população mato-grossense, dopada pelo argumento da legalidade.

Segundo a delação de Silval à Procuradoria-Geral da República (PGR), homologada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), o sistema de compra dos deputados mato-grossenses para o Executivo conseguir governabilidade existe, no mínimo, desde os tempos do falecido Dante de Oliveira, do PSDB, e continuou nas gestões do hoje ministro Blairo Maggi (PP), na do próprio Silval, e no mandato do atual governador Pedro Taques (PSDB).

Vale lembrar que a exposição pública da existência deste mensalinho não é tão recente.

Já em março deste ano, o ex-presidente da Assembleia, José Riva, citou, em uma audiência de ação em que é réu confesso, 35 políticos que teriam recebido o benefício.

Conforme Riva, o objetivo do “bônus” era não só ter o apoio dos deputados nos projetos de interesse do Executivo, mas também impedir que o Legislativo fiscalizasse os atos do Governo. Na época de Blairo, o mensalinho seria de R$ 30 mil por cabeça. Com Silval, foi para R$ 50 mil.

Não é à toa que, há pouco tempo, um deputado disse que Silval era considerado um “paizão”: além do mensalinho, o peemedebista, em tese, garantia uma porcentagem da propina paga pelas empresas que tinham contratos com o Estado no programa de pavimentação MT Integrado, também no mesmo valor mensal de R$ 50 mil por parlamentar envolvido.

Com o término da gestão de Silval, será que a prática de receber propina, mantida com tanto zelo por décadas, foi encerrada?

Segundo o próprio, não. O ex-governador afirmou à PGR que o antigo mensalinho do Executivo aos deputados foi recentemente “regulamentado” por meio da verba indenizatória.

“A Verba Indenizatória, que era aproximadamente de R$18 mil, com o dever de prestar contas, passou a ser de aproximadamente R$ 65 mil, sem o dever de prestar contas do dinheiro recebido. Até 31/12/2014 os parlamentares recebiam R$ 50 mil como ‘mensalinho’ e a verba indenizatória de aproximadamente R$ 18 mil. Por meio do aumento da verba indenizatória foi incluído o valor do ‘mensalinho’”, diz trecho da delação.

Essa regulamentação foi levada ao governador Pedro Taques para sanção e ele decidiu o seguinte: que tal demanda era atribuição exclusiva da Assembleia e que o Executivo não tinha que se intrometer.

Então, ele vetou o projeto, não porque concordava ou discordava, mas apenas por lavar as mãos, uma vez que, segundo ele, cabia à própria Assembleia decidir se regulamentava ou não.

Obviamente que, voltando para o Legislativo, a regulamentação foi aprovada, em abril de 2015, ou seja, no primeiro semestre do atual Governo. Com isso, os cofres públicos passaram a gastar R$ 1,5 milhão por mês e R$ 18,7 milhões por ano com a verba indenizatória.

Então quer dizer que essa verba de R$ 65 mil é uma propina disfarçada do Executivo para que os deputados apoiem o atual governador? Não é possível fazer tal acusação, não há provas concretas de algo nesse sentido e, nesse artigo, essa suspeita lançada por Silval não chega a ser relevante.

O ponto em questão não é a finalidade para a qual esta verba é paga, mas o fato de que tais pagamentos não diferem EM NADA do mensalinho.

O motivo é simples. Pelo mensalinho, os deputados poderiam pegar todo o dinheiro e gastar no bordel? Sim. Comprando carros de luxo e joias para esposas ou amantes? Sim. Poderiam investir no próprio mandato, auxiliando bases no interior e fazendo assistencialismo? Também.

E pela verba indenizatória, regulamentada, legal, aprovada em sessão da forma mais transparente possível, os deputados podem pegar os R$ 65 mil e gastar no bordel? Sim. Podem pegar o dinheiro e comprar carros de luxo e joias para esposas ou amantes? Sim. Podem investir no próprio mandato, auxiliando bases no interior e fazendo assistencialismo? Também.

Ou seja, não há diferença nenhuma da suposta propina do mensalinho e da verba indenizatória. O mensalinho, ainda que viesse por meio de propina de empresas, eram de empresas que recebiam do Estado e devolviam uma parte. Era dinheiro público. Lavado, mas dinheiro público.

E a verba indenizatória atual, mesmo que não se possa classificá-la como propina, não deixa de ser uma vantagem indevida, pois o parlamentar recebe mensalmente R$ 65 mil de dinheiro público e não tem obrigação nenhuma de prestar contas de como foi gasta essa bolada.

Em tese, esses R$ 65 mil são voltados à atividade parlamentar. Pelo menos essa é a finalidade da lei. Mas há uma prestação de contas? Não. O destino desses R$ 65 mil por mês é publicado no Portal Transparência da Assembleia? Não. Recentemente, o site O Livre fez uma reportagem em que tentou ter acesso aos gastos discriminados dos valores dessa verba. A Assembleia prestou a informação de onde foi gasto? Não.

No final das contas, apesar de ser natural a repulsa de ver as gravações de deputados recebendo maços de dinheiro, oriundos de esquema, é importante lembrar que essa mesma situação continua a ocorrer, só que sob o manto da legalidade.

Ao invés de dinheiro vivo, os valores agora entram diretamente na conta do deputado, que pode torrar esse montante tanto com atividades inerentes ao cargo quanto com qualquer coisa que achar mais conveniente, sem a preocupação de prestar contas de tais gastos à sociedade.

Talvez a única diferença é que o saque aos cofres públicos está mais fácil e seguro. Com esse escudo legal, o deputado não corre risco de ser filmado, de deixar cair dinheiro do paletó e não precisa mais se dar ao trabalho de ter que gastar a vantagem ilícita de maneira clandestina, sem poder deixar rastro, fazendo negociatas e lavando capitais.

Pegar o nosso tradicional baguncinha e colocar uma embalagem diferente, uma marca bonita, um molho especial, aumentar seu preço e criar um conceito sobre o sabor não o fará deixar de ser um baguncinha.

De igual maneira, legalizar o mensalinho, repaginá-lo, regulamentá-lo, gourmetizá-lo e colocar o belo nome de verba indenizatória também não fará este bônus deixar de ser o que sempre foi: ROUBO.

* Lucas Rodrigues é jornalista em Cuiabá.

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