por Grhegory P P M Maia*
O conceito de pandemia pode ser descrito como “uma epidemia de doença infecciosa que se espalha entre a população localizada numa grande região geográfica como, por exemplo, todo o planeta Terra”.
A possibilidade de vivenciar um momento descrito acima era inimaginável para muitas pessoas, no entanto, o misterioso novo coronavírus, que surgiu na China em 2019, espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil.
No ano passado, o Decreto Legislativo nº 06/2020 reconheceu o estado de calamidade pública no país e dispôs acerca de uma série de medidas, como por exemplo, isolamento social, a restrição de circulação de pessoas, com a finalidade de evitar a aglomeração e a consequente propagação e contaminação da doença.
Além disso, a Medida Provisória nº 926/2020 (convertida na Lei Federal nº 13.979/2020) tratou das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019.
Ademais, a Lei nº 14.035/2020, que alterou a Lei nº 13.979/2020, dispunha sobre os procedimentos para a aquisição ou contratação de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde.
As normativas acima foram elaboradas para o enfrentamento das emergências na saúde pública, como também para disciplinar a realização de procedimentos de dispensa de licitação.
Conquanto a vigência encerrou no dia 31.12.2020, junto ao encerramento da vigência do Decreto Legislativo nº 06/2020, o excelentíssimo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida nos autos da ADI 6625, observou que “por prudências as medidas excepcionais previstas na Lei 13.979/2020 devem continuar a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para combater a pandemia.” Registrou-se, ademais, a necessidade de prestigiar os princípios da prevenção e da precaução, porquanto devem reger as decisões em matéria de saúde pública.
Realizada as considerações retro, pertinentes para fins de contextualização, destaca-se que o presente artigo tratará sobre os impactos da pandemia na gestão e nos contratos administrativos.
O primeiro exemplo são os casos dos contratos de terceirização durante a pandemia e a possibilidade de trabalho dos empregados em regime de home office, uma vez que, diferentemente dos servidores, empregados públicos, estagiários e colaboradores em geral, os terceirizados não possuem vínculo direto com a administração e, diante da ausência de orientação normativa central para a questão, houve questionamento perante Advocacia-Geral da União (AGU) a respeito da possibilidade.
A AGU, por sua vez, mostrou-se favorável, conforme fragmentos do parecer nº 00106/2020/DAJI/SGCS/AGU1 “uma vez que o próprio portal de compras governamentais recomenda o levantamento dos terceirizados pertencentes ao grupo de risco para avaliação da necessidade de sua substituição temporária ou suspensão. Desse modo, não só os gestores dispõem de tal possibilidade, como esta é a recomendação dada aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.”
Além disso, consta no referido parecer que “não parece ilegal a tentativa de negociar com a empresa o remanejamento das pessoas enquadradas nos grupos de risco para atividades dentro da própria empresa terceirizada ou que possam ser executadas de modo remoto, destinando pessoas menos vulneráveis para as atividades que exigem exclusivamente atividade presencial”.
Noutro giro, questão que merece destaque são os casos de alterações contratuais advindas do consenso entre administração e o particular. Cita-se, como exemplo, a suspensão do pagamento a título de concessão onerosa pelo uso de espaço público, cujo objeto é a exploração de atividade econômica por meio de restaurantes e lanchonetes. Isso porque, em razão do grande número de servidores e colaboradores trabalhando em home office, houve a necessidade de reavaliação dos contratos firmados com restaurantes e lanchonetes, uma vez que o público para o consumo durante o período pandêmico diminuiu. (https://www.gov.br/compras/pt-br/assuntos/combate-ao-covid19/midias/parecer-1.pdf).
Diante do contexto de ausência de atividade econômica houve, por alguns gestores públicos, a iniciativa de junto com o particular promover alterações contratuais com a suspensão dos pagamentos dos aluguéis, sob o respaldo jurídico do art. 65, inc. II, “d”, da Lei nº 8.666/1993 (legislação com efeitos prospectivos, conquanto aprovação da novel), que permite alterações nos termos contratados para melhor adequar o negócio às circunstâncias determinadas pelos fatos supervenientes, como o caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, bem como para reestabelecer a equação econômico-financeira, afetada pela superveniência de fato que tornou desproporcional o encargo suportado pelo particular.
Dentro de tudo que foi dito, compreende-se que, inobstante os impactos negativos da pandemia do novo coronavírus, um ponto positivo foi que se exigiu da administração e do particular a necessidade de dialogar, a fim de encontrar, por meio de consenso, a melhor solução para adequação dos contratos.
De certa forma, a situação impulsionou uma proximidade com uma realidade defendida por muitos de uma “administração pública dialógica”.
A respeito, Rafael Maffinii definiu como “uma noção jurídica pela qual se busca impor como condição para a atuação administrativa a prévia realização de um verdadeiro e efetivo diálogo com todos aqueles que terão suas esferas de direitos atingidas por essa atuação estatal”.
Portanto, valendo-se, com a devida parcimônia, do jargão já consolidado nas mesas de negociação, conciliação e mediação, “vivem-se tempos em que o negociado sobrepõe ao legislado.”
*Grhegory P P M Maia - procurador de carreira da Assembleia Legislativa de Mato Grosso; atual Consultor Jurídico Geral do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso; doutorando em direito constitucional; professor da UFMT.
*Alexandra Massoli Rey Parrado - advogada licenciada; atualmente desempenha as atribuições de assistente jurídico da Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em colaboração com o Tribunal de Contas de Mato Grosso.
Referências:
i MAFFINI, Rafael. Administração pública dialógica (proteção procedimental da confiança). Em torno da Súmula Vinculante n° 3, do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 253, p. 159-172, jan./abr. 2010
*Grhegory P P M Maia - Procurador de carreira da Assembleia Legislativa de Mato Grosso; atual Consultor Jurídico Geral do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso; doutorando em direito constitucional; professor da UFMT
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