por Luiz Henrique Lima*
Toda terceira segunda-feira de janeiro é feriado nacional nos Estados Unidos. É o dia de Martin Luther King. Esse fato inspira algumas reflexões.
No Martin Luther King Day celebram-se milhares de eventos nos Estados Unidos e em diversos outros países em memória das ideias e das lutas empreendidas em prol dos direitos civis e humanos, da igualdade racial e da democracia. Os inspirados discursos do líder religioso e político são lidos ou reproduzidos, sua história divulgada, e debatidos seus exemplos de resistência pacífica e de desobediência civil. Apesar de grandes vitórias alcançadas, muitas de suas causas ainda são atuais, tanto nos Estados Unidos como em várias partes do mundo ainda infectadas pelo vírus da intolerância e da segregação. Fenômeno semelhante ocorre no continente africano, por ocasião do Nelson Mandela Day, celebrado em 18 de julho.
Luther King não foi presidente dos Estados Unidos, nem sequer vereador em Atlanta onde nasceu. No século XX houve inúmeros presidentes que gostavam de ser chamados de 'o homem mais poderoso do mundo', como Roosevelt ou Kennedy. Houve Truman que lançou a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki e houve Nixon que despejou napalm e agente laranja nas aldeias vietnamitas. Nenhum deles mereceu um feriado nacional. Sequer Lincoln, que aboliu a escravatura e venceu a guerra de Secessão, obteve a distinção de um feriado.
Luther King não foi um grande empresário industrial como Henry Ford, um magnata do petróleo como Rockefeller ou um midas do entretenimento como Walt Disney. Viveu modestamente como pastor da Igreja Batista e líder da luta pelos direitos civis e morreu assassinado aos 39 anos de idade. Mas além de Luther King, apenas Cristóvão Colombo e George Washington, líder da guerra da independência e primeiro presidente estadunidense, têm um feriado dedicado à sua memória.
É interessante contemplar o feroz espetáculo da luta pelo poder que diariamente se trava em múltiplas instâncias da sociedade: empresas, administração pública, igrejas, universidades, sindicatos, mídia etc. Em diversos graus, certos comportamentos se reproduzem através dos séculos: o ambicioso, o invejoso, o orgulhoso, o bajulador, o intrigante, o impulsivo, o calculista, o indeciso, o mentiroso, o ganancioso, o ingênuo, o pusilânime, o covarde e tantos outros. Talvez quem melhor os tenha descrito não tenha sido um filósofo como Karl Marx, um sociólogo como Max Weber, um historiador como Hobsbawm, um economista como Galbraith ou um analista político como Maquiavel, mas um dramaturgo como Shakespeare em obras imortais como Hamlet, Rei Lear, Otelo ou Júlio César.
O que o feriado de Luther King e as tragédias shakespearianas nos ensinam é que é inútil e patética a maior parte dessa desesperada disputa pela acumulação de riqueza e glória. O poder que sobrevive ao tempo não é o efêmero poder da caneta que assina um decreto, uma emenda, uma sentença ou um cheque. Esse é um poder transitório, muitas vezes ilusório, como descrito por Balzac em 'Ilusões Perdidas'. É um poder que escraviza e consome mais do que realiza e constrói. Aliás, George Orwell, na 'Revolução dos Bichos', prenunciou a metamorfose de conhecidos líderes contestadores que após árduas batalhas conquistaram o almejado poder apenas para repetir as práticas viciadas que condenavam na juventude.
O poder efetivo, o poder que transforma a sociedade, inspira gerações e atravessa os séculos não é o poder dos títulos hierárquicos, das armas ou dos cargos. É o poder das ideias, das atitudes e dos exemplos. Muito mais penoso para ser alcançado, requer serenidade para ser exercido, porém é consistente e duradouro. Por isso, dentro em pouco Kennedy e Nixon serão no máximo notas de rodapé nos livros de história e Martin Luther King será cada vez mais reverenciado pelos humanos de boa vontade.
*Luiz Henrique Lima - Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT
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