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Artigos Segunda-feira, 24 de Outubro de 2016, 17:16 - A | A

Segunda-feira, 24 de Outubro de 2016, 17h:16 - A | A

Opinião

Janus, futebol e (falta de) ética

                                                                                                                                                     por Luiz Henrique Lima *

Janus era o Deus romano com duas faces em direções opostas. Recentemente, uma das etapas da Operação Lava-Jato foi denominada Janus, em 'homenagem' à dubiedade de caráter dos investigados. Lembrei-me de Janus ao ver a atitude de alguns diante de mais um lamentável episódio no futebol brasileiro.

A cena foi retransmitida incontáveis vezes em todos os canais de televisão e internet. O Flamengo vencia o Fluminense por 2 a 1 quando o tricolor assinalou um gol irregular. Havia ao menos três jogadores sem flagrante impedimento. O gol foi anulado. Pressionado, o árbitro recuou e validou o lance. Novamente pressionado, consultou os assistentes e corrigiu seu erro, anulando o gol e dando seguimento à partida que terminou com a vitória do carioca hexacampeão brasileiro.

Em qualquer esporte do mundo não haveria polêmica. Ao contrário, os bons esportistas estariam aliviados, pois foi evitado um erro grotesco que poderia comprometer a classificação final do campeonato brasileiro. Foi o que vimos nas Olimpíadas nos jogos de vôlei, tênis e basquete etc. Lances duvidosos em que a decisão do árbitro era questionada foram solucionados com o auxílio de imagens eletrônicas transmitidas a todos nos estádios e pelas tevês. A tecnologia ajudou a fazer justiça no esporte e a dirimir dúvidas em jogadas muito rápidas ou em detalhes milimétricos nos quais o olho humano poderia se confundir. É assim também no futebol americano e nos jogos da NBA. No atletismo e no ciclismo,exames antidoping ajudam a prevenir interferências indevidas que fraudem o desempenho natural dos atletas.

Só não é assim no futebol comandado por uma das organizações mais corruptas do planeta - a FIFA, em cujos escândalos nossos dirigentes nacionais tiveram papel de destaque, inclusive com a prisão do ex-presidente da CBF.

A imagem da dupla face de Janus surge quando se tem presente que em 2015 e 2016 milhões de brasileiros se manifestaram em prol da ética na vida pública. Agora, muitos daqueles indignados manifestam seu apoio a uma manobra desmoralizante, que fulmina o esporte naquilo que ele possui de mais belo, justo e apaixonante: a vitória de quem mereceu. Trata-se da tentativa de anular os pontos conquistados pelo Flamengo, a pretexto de que teriam sido usadas imagens que confirmam que a decisão final do árbitro foi correta. Ou seja: punir quem venceu limpamente, porque a tecnologia confirmou que a vitória foi limpa!

Não identifico Janus nas pessoas de alguns dirigentes dos clubes diretamente interessados porque sua face é única e é feia. Mas sim na de torcedores que pensam que vale tudo para fazer seu time ser beneficiado, até o golpe de proclamar um resultado em completa contradição com a verdade real do que ocorreu em campo. Será que esses cidadãos também acreditam que vale a pena fraudar eleições, se for para seus candidatos ganharem? Ou sonegar impostos? Ou falsificar documentos para pagar meia-entrada? Ou receber ou pagar propinas? Afinal, proclamam uma ética que não praticam!

Recordo-me dos anos 90 quando, numa partida decisiva entre Flamengo e Palmeiras, um microfone à beira do campo captou a voz do treinador brucutu ordenando aos zagueiros que 'quebrassem o Sávio', talentoso atacante rubro-negro. O mesmo energúmeno orientou os gandulas da sua equipe a, sempre que o adversário ameaçasse a sua área, lançarem uma segunda bola em campo para paralisar a jogada. Foi esse tipo de mentalidade violenta e desleal, aliada à corrupção dos dirigentes, que arruinou o futebol brasileiro e comandou o vexame histórico dos 7 a 1 contra a Alemanha em pleno Mineirão.

Inúmeros antropólogos e cientistas sociais dedicaram estudos ao futebol. Pesquisaram como as paixões deflagradas pelo esporte mais popular do planeta refletem as características culturais e históricas dos diferentes povos. No momento em que escrevo, o golpe foi derrotado, mas as atitudes neste caso podem revelar muito sobre o nosso caráter e se podemos ter alguma esperança de ética na vida pública e de recuperação de nosso futebol.

Luiz Henrique Lima é Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT

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