Thales Anjos *
Em tempos de pandemia do novo CORONAVIRUS, muitos trabalhadores se depararam com uma difícil situação financeira.
O fechamento temporário do comércio na grande maioria das cidades brasileiras fez com que os empresários também sofressem com as consequências desse misterioso vírus. Eles, os empresários, se viram em um beco sem saída: ou enxugam os gastos ou fecham as portas dos seus negócios.
Assim, há toda uma cadeia produtiva que sofreu algum impacto financeiro em razão do surto do CORONAVIRUS. Uma delas, senão a mais importante, é a classe trabalhadora. Os empregadores, por sua vez, tiveram que fazer duras escolhas, que certamente em tempos normais não as fariam.
Houve empresas que optaram por uma dispensa em massa; outras, concederam férias aos seus empregados; algumas escolheram suspender os contratos de trabalho, conforme autoriza a Medida Provisória nº 936/2020.
Diante de todo esse cenário sombrio, pois não sabemos o que ainda vem pela frente, o Governo Federal concedeu para parte da população brasileira, por meio da Lei 13.982/2020, o valor de R$ 600 por mês, durante três meses, como uma forma de auxílio emergencial.
Além disso, o Presidente da República autorizou, também por meio de Medida Provisória (nº 946/2020), o saque do FGTS até o limite de R$ 1.045, por trabalhador.
Entretanto, vem o questionamento: havendo saldo na conta do FGTS, é possível o trabalhador sacar mais do que os R$ 1.045 autorizados pelo Governo?
Para vislumbrarmos essa possibilidade, temos que navegar por alguns dispositivos legais vigentes em nosso ordenamento jurídico.
De início, é importante relembrar que em 20 de março de 2020, por meio do Decreto Legislativo nº 6/2020, foi reconhecido o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de CORONAVÍRUS.
Nesse sentido, para que seja autorizado o saque dos valores contidos na conta do FGTS do trabalhador, é preciso a ocorrência de algumas situações. Uma delas, por exemplo, é quando o empregado é dispensado sem justa causa, conforme prevê a Lei 8.036/1990.
Outra situação que também autoriza o saque é a ocorrência de necessidade pessoal, cuja urgência decorra de desastre natural, e que a localidade onde o trabalhador resida esteja em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, vejamos:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:
a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;
Como se vê, portanto, é possível o Obreiro movimentar, ou melhor, sacar os valores contidos na sua conta vinculada em casos de calamidade pública. Entretanto, o dispositivo em comento fala apenas em casos de desastre natural, e não de pandemia.
O que seria desastre natural, portanto?
O Decreto 5.113/2004, que regulamentou o art. 20 da Lei nº 8.036/90, define desastre natural como:
I - Vendavais ou tempestades;
II - Vendavais muito intensos ou ciclones extratropicais;
III - Vendavais extremamente intensos, furacões, tufões ou ciclones tropicais;
IV - Tornados e trombas d’água;
V - Precipitações de granizos;
VI - Enchentes ou inundações graduais;
VII - Enxurradas ou inundações bruscas;
VIII - Alagamentos; e
IX - Inundações litorâneas provocadas pela brusca invasão do mar.
Ademais, após o rompimento da barragem de Mariana (MG), a então presidente Dilma Rousseff, por meio do Decreto 8.572/2015, incluiu como desastre natural, o “rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.”, possibilitando, portanto, que os trabalhadores daquela região também pudessem sacar o seu FGTS.
A dúvida, portanto, é se a pandemia pode ser enquadrada como uma das hipóteses para saque do saldo existente nas contas do FGTS, tendo em vista que tanto o Decreto 5.113/2004 e quanto a Lei 8.036/90 são omissos nesse sentido.
Com efeito, segundo a Mestre em Ciências, a Sra. Silvia M. Saito, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desastre natural pode ser classificado como sendo biológico, geofísicos, climatológicos, hidrológicos e/ou meteorológicos. Enquadra-se em desastre natural biológico as epidemias, as infestações por insetos e ataques animais.
Nesse sentido, considerando que a pandemia é mais abrangente e mais grave do que a epidemia, podemos concluir que aquela pode ser sim considerada como um desastre natural.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o entendimento, em inúmeras ocasiões, de que o rol previsto no Decreto nº 5.113/2004 é apenas exemplificativo, ou seja, não se limita às definições de o que pode ou não ser considerado como desastre natural.
Assim, entendo que a pandemia do CORONAVÍRUS é situação autorizadora para movimentação/saque de valores da conta do FGTS do trabalhador. No entanto, qual seria o valor autorizado para o saque? Se um trabalhador possuir, por exemplo, mais de R$ 10 mil em sua conta do FGTS, ele poderá usufruir de todo esse valor?
A resposta é não. O Decreto nº 5.113/2004, o mesmo que definiu casos de desastre natural, limitou o valor do saque para R$ 6.220. Entretanto, a solicitação para sacar os valores contidos no Fundo de Garantia do trabalhador possui um prazo, não podendo este ultrapassar noventa dias da publicação do ato que se reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, o qual se deu em 20 de março de 2020.
Com efeito, o empregado interessado em obter além dos R$ 1.045, deverá fazer a sua solicitação até o dia 18 de junho de 2020, sob pena de perder o seu direito, pois “o direito não socorre aos que dormem”.
Em tempos de alta taxa de desemprego, R$ 6.220 é uma grande ajuda.
*Thales Anjos é advogado
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