por Odenilton Júnior Ferreira dos Santos*
Desde 2009 eu atuo profissionalmente com informática. Uma pergunta recorrente e que ainda ouço é, você usa um computador em braile? Conforme antecipei no artigo em comemoração ao Dia Nacional do Sistema Braille, a resposta mais curta e direta é, não. Mas, você muito empático, se sentindo inconformado com essa resposta insiste em outra questão. Não seria mais fácil/melhor usar um computador em braile?
Em uma primeira análise, parece mesmo bem lógico. Contudo, puxe uma cadeira, sente-se e vamos para uma resposta mais longa e contextualizada. Conforme você sabe, o braile é um sistema de leitura e escrita baseado em pontos em relevo. Os populares computadores PC são montados basicamente com um gabinete (vulgo CPU), monitor, teclado e mouse. Em muitos casos temos pequenas caixas de som e uma webcam completando o kit. Pois bem, então vamos compreender por que não foi preciso unir esses dois sistemas, criando o que seria um computador exclusivo para uso de pessoas cegas.
Inicialmente precisamos fazer uma pergunta. Afinal, qual dos componentes mencionados deveria ser em braile? Uma outra questão para ser mais preciso. Um dispositivo de entrada ou de saída da informação? Após pensar um pouco, você me responde, um de entrada e outro de saída. Pois bem, então vamos analisar a situação.
Concordando que o mouse não seria viável, descartamos e então partimos para o teclado. Isso mesmo, um teclado em braile. Para avaliar essa proposta, precisamos dar uma volta ao passado. Há alguns anos, nem tanto assim, mas suficiente para que gerações mais novas não saibam, existia curso de datilografia. Um curso que visava ensinar as pessoas a digitarem. Inicialmente em máquinas de escrever e posteriormente nos teclados de PC. Para tanto, devia-se posicionar corretamente as mãos e os dedos, além do principal, sem olhar no teclado! Que interessante, não?
Pois então, os teclados tradicionais possuem alguns pontos que marcam teclas em posições estratégicas. Se você é observador, talvez tenha visto e saiba que eles estão nas teclas F e J do teclado alfanumérico. E na tecla 5 do numérico. Desse modo, seguindo os mesmos princípios da datilografia, nós pessoas cegas fazemos uso tranquilamente de qualquer teclado com tais características. Por fim, a mérito de curiosidade, existem sim teclados com as teclas grafadas em braile. Mas, concordando que não é preciso ver para digitar, vamos para a outra questão.
No início da era dos PCs, eles não possuíam recursos multimídia, afinal nem mesmo os ambientes gráficos como conhecemos existiam. Desse modo, para as pessoas cegas a única barreira posta era ter acesso à informação processada pela máquina, visto que inserir não era problema. Essa barreira começou a ser superada com a criação do primeiro programa leitor de tela por pesquisadores da IBM, o IBM Screen Reader para Dos que foi lançado em 1986. O programa leitor de tela é um programa que por meio de uma voz sintetizada traduz o texto que é exibido na tela para fala.
A partir do início da década de 90, a IBM e outras empresas lançaram as primeiras versões de programas leitores de tela para ambiente gráfico. Neste ponto, vale ressaltar que no Brasil, em 1994 foi lançado um microssistema chamado Dosvox. Desenvolvido na UFRJ, o Dosvox derrubou uma outra barreira que era o custo de aquisição das outras opções vindas do exterior. Esse fenômeno se repetiu a partir de 2007, quando um estudante de computação australiano que é cego lançou o NVDA, um leitor de tela gratuito e de código aberto, e que hoje é utilizado praticamente no mundo todo.
Por meio das diversas opções de programas leitores de tela disponíveis para os principais sistemas operacionais, há algum tempo dispomos de muita autonomia para usar os computadores. Ao invés de usar o mouse para clicar nos elementos dos ambientes gráficos, fazemos tudo através de comandos pelo teclado. Sim, costumamos usar todas as teclas do teclado, inclusive aquelas que muitas vezes vocês usuários videntes não tem nem ideia de para que servem.
Após toda essa viagem, acredito que você esteja convencido de que não é preciso um computador em braile para pessoas cegas. Mas, para não perdermos o hábito, vamos deixar outra questão em aberto. Nas últimas décadas, surgiu um dispositivo que conectado ao computador, torna possível a interação através do braile, inclusive sendo o único meio para uso da computação por pessoas surdo-cegas. Mas, essa fica para um próximo texto. Por enquanto, ajude a inclusão compartilhando este texto.
*Odenilton Júnior Ferreira dos Santos é pessoa cega e trabalha como técnico legislativo na Câmara Municipal de Cuiabá. Possui mestrado em Ensino de Ciências Naturais pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), especialização em Gestão Pública e em Gestão de Projetos e graduação em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
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