A camisa com o número 2 nas costas deu lugar a uma social, azul, bem alinhada. A posição, no entanto, continuou a mesma: a lateral direita. Desta vez, da mesa de entrevistas do auditório Rogério Steinberg, na Gávea. Vinte e quatro anos após deixar o clube e seguir para o futebol alemão, Jorginho está de volta ao Flamengo. Suas primeiras palavras como treinador rubro-negro foram acompanhadas de sorrisos, reverências ao ídolo Zico e uma preocupação evidente: desvincular sua imagem de qualquer polêmica envolvendo religião ou herança da conturbada parceria com Dunga, no comando da seleção brasileira.
Com oito anos de carreira - começou no América, em 2005 -, Jorginho repetiu algumas vezes a palavra maturidade em seu discurso. Embates como os que protagonizou com a imprensa no ciclo até a Copa de 2010, segundo ele, darão lugar ao diálogo, mesma postura que garante ter com seus jogadores dentro de campo. De um ponto, no entanto, o ex-lateral não abre mão: a disciplina.
- A questão é muito clara: aqui é profissional. Religião é uma coisa extra, cada um nada sua, como diz o Aílton (Ferraz, auxiliar técnico). O tempo passou, e a gente amadurece. Sei que tivemos algumas situações difíceis em termos de Copa do Mundo, mas já passou. Como eu disse, nós amadurecemos com o tempo. Sou uma pessoa de diálogo. Vou procurar sempre ser educado. Se em algum momento perder o rebolado, vai ser de momento, mas procuro ter sempre o bom relacionamento.
Aos 48 anos, Jorginho, enfim, assume o Flamengo, após duas recusas, em 2009 e 2012. Em ambos os casos justificadas por não ter como se desvincular de compromissos já assumidos, com a Seleção e o Kashima Antlers. A espera fez bem, e o treinador garante que desembarca na Gávea mais bem preparado para o desafio.
- É uma enorme satisfação estar retornando ao Flamengo após a passagem de 1984 a 89, quando tive a honra de defender o Flamengo. Tive a chance de ser campeão brasileiro, carioca, e jogar com o nosso maior ídolo, que foi o Zico. Ele me ensinou muito sobre como ser profissional, o que é ser profissional. Trabalhamos juntos no Kashima. É uma alegria, grande desafio, mas estou muito bem preparado.
Aos 48 anos, Jorginho assinou contrato com duração até dezembro de 2014 e já comanda o treinamento da tarde desta segunda-feira, no Ninho do Urubu. Com ele, chega ao clube o também ex-jogador Aílton Ferraz, como auxiliar técnico. O restante da comissão técnica passará a ser permanente do clube. Confira abaixo os principais trechos da entrevista coletiva:
Propostas anteriores
- A grande mudança é que agora eu estava livre. Em 2009, estava na Seleção e sabia que não era possível dividir. Tudo que acontecesse lá ia respingar aqui e aqui ia respingar lá. Na ocasião, Marcos Braz fez uma proposta, conversei com o Dunga e o Américo (Faria), mas optamos por não aceitar. Depois, no Kashima, tinha um compromisso. Tudo no clube girava em torno do meu nome, o trabalho de marketing, tudo, e precisava respeitar isso. Agora, chego em um momento oportuno. Acabei de vir de um período no Real Madrid, no Barcelona, e estava disponível.
Trabalho no Figueirense como exemplo
- É muito legal esse link com o Figueirense. Não há nada a ver uma equipe com a outra, mas é um momento de transição, de investir no jovem, na base, de pagar em dia. É uma filosofia que tivemos a experiência lá e no América. Isso é muito legal. Paga-se menos, mas em dia. Temos que ver o potencial dos atletas que temos aqui, formar a equipe e, dentro das necessidades, reforçar para o Brasileiro.
Esquema de jogo
- Tenho uma forma de jogar: o 4-2-3-1. Mas tudo vai do que você tem na mão, do adversário. É necessário estar flexível de acordo com a necessidade que temos. Dentro de uma partida, podemos ter até três esquemas.
Aposta nas categorias de base
- No Figueirense, pudemos aproveitar jovens da base, dar o moral e a atenção necessária para entrar aos poucos na equipe. A responsabilidade de ter que dar certo aumenta muito a pressão sobre o jogador. Trabalhar com os jovens é um objetivo. Precisamos mais disso. O futebol está rápido hoje em dia. O jogador surge e logo é vendido. É preciso formar atletas, e o Flamengo tem esse potencial. É preciso jogar com velocidade, e podemos fazer isso. Temos o Rafinha, o Nixon, o Thomás... Todos que fazem meio o que fazia o Wellington Nem (na época de Figueira).
O novo Flamengo
- É um tempo muito diferente. Fica quase que impossível comparar. Quando você tem o Zico, tem uma referência, o grande nome, craque e exemplo profissional. Cheguei aqui sem ele, mas em 1985 já estava de volta. Naquela época, joguei com um dos maiores laterais do mundo, que foi o Leandro. Era uma equipe formada. Hoje, é um time em formação.
Pressão
- A exposição é grande. Creio que a Seleção é algo ao extremo. Aqui também é grande. Assim é o Flamengo, os grandes clubes Joguei aqui, sei como é a pressão. Não é fácil vencer no Flamengo. O Figueirense, em nível local, também tem uma pressão muito forte em Florianópolis.
Contato com Zico
- Ainda não nos falamos. Ele é muito ético. Como ele disse, não vai se envolver nessas questões, será mais um conselheiro. Como tudo foi muito rápido, muito tumultuado, não tive a oportunidade de atender o telefone.
Intercâmbio na Espanha
- Foram 15 dias no Real Madrid e, principalmente, Barcelona. Vi muitas coisas interessantes. Falar de organização é chover no molhado, mas tudo é filosofia de trabalho e de jogo. Não é questão de um sistema tático definido, é uma filosofia trabalhada desde o garoto com oito anos até o profissional. Fizemos um raio-x de tudo. É algo extremamente positivo, há uma proximidade entre todas as categorias. Não adianta o treinador pensar só no profissional. Todo trabalho deve ser feito para o clube, para o futuro do clube.
Referências como treinador
- Falar dos treinadores é difícil, até por ter trabalhado com muitos. Mas lembro do saudoso Djalma (Dias), que foi meu primeiro e disse: “Jogar de zagueiro, não. Vai ser lateral”. Tive outros grandes como Edu, Zagallo, Beckenbauer, Parreira, e muitos outros que não tiveram tanto nome, mas me ajudaram muito. Observava muito a questão do Beckenbauer, esse "gentleman" que é o Parreira... Para ser um grande treinador e motivador, é preciso de calma. Tem que ser amigo do jogador, mas com uma certa distância. Por isso, é importante o auxiliar. É difícil me definir, mas sou muito disciplinador. Lógico que tem que ter a conversa, o diálogo. Vim para um clube vencedor e eu sou um vencedor.
Religião
- A questão é muito clara: aqui é profissional. Religião é uma coisa extra, cada um na sua, como diz o Aílton (Ferraz, auxiliar técnico). O tempo passou, e a gente amadurece.
Relação com a imprensa
- Sei que tivemos algumas situações difíceis, mas já passou, em termos de Copa do Mundo. Como eu disse, nós amadurecemos com o tempo. Sou uma pessoa de diálogo. Vou procurar sempre ser educado. Se em algum momento perder o rebolado, vai ser de momento, mas procuro ter sempre o bom relacionamento.
A carreira de Jorginho
Ex-lateral-direito do Flamengo, Jorginho iniciou sua carreira de treinador no mesmo clube no qual se tornou jogador profissional: o América. Em 2005 e 2006, teve boa passagem pela equipe e ficou marcado por uma polêmica ao querer mudar o mascote do clube. Evangélico, tentou substituir o diabo por uma águia. Jorginho deixou a equipe para ser auxiliar técnico de Dunga na Seleção que acabou eliminada nas quartas de final da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul.
Pouco depois do Mundial, foi anunciado pelo Goiás, mas foi demitido dois meses depois, com o time praticamente rebaixado para a Série B do Brasileiro. Em março de 2011, acertou com o Figueirense e teve boa campanha no campeonato nacional, ficando perto de conseguir a vaga na Libertadores. Depois, acertou com o japonês Kashima Antlers (clube que já tinha defendido como jogador) e ficou ao longo de toda a temporada 2012. Lá, foi apenas o 11º colocado no Campeonato Japonês, mas levou o título da Copa da Liga Japonesa.
No início do mês, ele visitou os centros de treinamento de Barcelona e Real Madrid "em busca de reciclagem".
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