A prisão preventiva do jogador de futebol Daniel Alves, acusado de estuprar uma jovem de 23 anos dentro da balada Sutton, em Barcelona, na Espanha, surpreendeu entidades ligadas à luta contra a violência sexual pela agilidade com que foi conduzida. O atleta nega o crime.
Diferente do país europeu, no Brasil, segundo especialistas, denunciar um episódio de abuso sexual, na maioria das vezes, é um processo longo e desgastante. Não é raro que a vítima desista ou até seja processada pelo abusador por difamação e danos morais.
Em nota, o Me Too Brasil, organização que acolhe vítimas de violência sexual, disse lamentar a ocorrência de mais uma violência de gênero cometida por jogadores brasileiros no exterior. A organização cita ainda que o caso mostra a importância da agilidade na denúncia, coleta de provas e de testemunhos, além da prisão prisão preventiva de acusados de assédio e violência sexual.
"Isso não acontece usualmente no sistema penal brasileiro, onde as vozes das vítimas muitas vezes não são consideradas e são, até mesmo, silenciadas", alerta a organização.
A Espanha é considerada uma referência na luta contra a violência sexual e pela igualdade de gênero.
Em Barcelona, onde ocorreu o caso, foi criado um protocolo de segurança que visa o controle de violências sexuais em ambientes de lazer. O documento, desenvolvido em 2018 e chamado de "No Callem", detalha como espaços privados devem agir para prevenir e agir no caso de agressões dentro dos estabelecimentos.
A lista de procedimentos foi criada após a divulgação de uma pesquisa, em 2016, que mostrava que estabelecimentos de lazer estão entre os três cenários mais recorrentes de registros de casos de violências sexuais.
Jornais espanhóis afirmam que o protocolo "No Callem" foi aplicado no episódio que envolveu o jogador. Na ocasião, a polícia recebeu o aviso da ocorrência, foi até a balada e ouviu a vítima, que foi levada a serviço médico de emergência.
No documento são descritos diferentes cenários possíveis e como conduzi-los.
No caso de agressão sexual, o protocolo determina que a vítima deve ser acolhida o mais rápido possível, e profissionais do local devem verificar se ela não corre algum tipo de perigo imediato.
A vítima deve ser levada para um espaço isolado. Se ela não estiver em condições de compreender a situação, a pessoa que realiza o atendimento pode sugerir que ela tenha um acompanhante.
Em seguida, a vítima deve ser consultada se gostaria de atendimento médico e informada de que o acesso ao serviço de saúde não implica, necessariamente, em uma denúncia formal.
Caso a pessoa opte por não denunciar, ela deve ser orientada a procurar um serviço de saúde médico para atendimento psicológico e de emergência.
O documento diz ainda que vítima que decidir formalizar a denúncia deve ir acompanhada. Em relação ao abusador, o protocolo define que o estabelecimento pode mantê-lo detido até a chegada da polícia, caso seja pego em flagrante ou prestes a cometer o crime.
Se o suspeito não for encontrado na hora, a vítima pode descrevê-lo para que profissionais do estabelecimento façam buscas. Além disso, em diversos momentos, o documento reforça que o principal em casos de agressão é acolher a vítima -e não repreender o crime.
O documento não se limita a descrever como agir no caso de episódios de agressão sexual, mas também lista medidas de prevenção. Entre elas, estão o reforço da vigilância em locais mais escuros. Também desincentiva medidas que diferenciem a entrada de homens e mulheres, como ingresso mais barato ou gratuidade.
O documento prevê que não deve existir discriminação de vestimenta ou proibição de entrada de acordo com a aparência. Além disso, são refutados cartazes promocionais para os locais em que apresentem mulheres apenas como objetos de desejo sexual ou imagens que mostrem elas em posições depreciativas, de subordinação ou de incitação à violência.
Além do protocolo, em agosto do ano passado, foi aprovada a Lei da Liberdade Sexual, conhecida como lei "solo sí es sí" (só sim é sim), que elimina distinções entre abuso e agressão sexual e passa a considerar toda intenção sexual sem consentimento com outra pessoa como uma agressão.
A mudança na nomenclatura veio acompanhada de um detalhamento maior das possíveis penas. A medida foi inspirada no caso conhecido como La Manada, quando cinco homens estupraram uma jovem de 18 anos nas festas de São Firmino, em Pamplona, em 2016, e gravaram as cenas. Eles foram inicialmente condenados por abuso sexual após entendimento da Justiça de que não houve violência.
Apesar de ter sido considerada uma vitória para o governo do premiê Pedro Sánchez, em pouco tempo a lei foi criticada pois abriu brecha para uma enxurrada de revisão de penas no país europeu. Isso porque, após poucos meses em vigor, homens condenados por estupro tiveram penas reduzidas e alguns foram até libertados.
Em relação às críticas, a ministra da Igualdade da Espanha, Irene Montero, disse que o problema tem como causa juízes que infringem a lei motivados por concepções machistas. Ela defendeu que é preciso aprimorar a formação dos magistrados.
Advogada à frente do Me Too Brasil, Mariana Garanzolli afirma que, apesar das críticas à recente lei, a Espanha vem avançado nos últimos anos como referência no combate à violência sexual. No Brasil, diz ela, diferente da violência doméstica, a sexual não tem tido tantos avanços.
"Nós temos discutido cada vez mais que a ausência de consentimento é uma violência em si. Porém a compreensão é pela jurisprudência no Brasil. Na Espanha, isso está mais avançado", diz Ganzarolli.
Segundo a advogada, a mulher pode não dizer não porque ficou intimidada pela presença, olhar ou tamanho do abusador. "As vezes, ele encurralou ela. A pessoa pode congelar, ficar parada. A ausência do 'não' não é sinônimo de consentimento. Para ter uma agressão não precisa do emprego de violência e nem de força", diz ela.
O depoimento da mulher que acusa Daniel Alves O que ocorreu na boate, segundo a jovem de 23 anos disse à Justiça:
Antes das 2h - A vítima, sua prima e uma amiga chegam à boate Sutton Barcelona.
2h - Daniel Alves chega com um amigo e sobe para uma área VIP.
Entre 2h e 3h - As moças conhecem rapazes mexicanos, que as convidam a subir para a área VIP deles. Elas aceitam.
Por volta das 4h - Um garçom se aproxima das mulheres e diz que um cliente as convida à área deles. A princípio, elas rejeitam o convite, mas o cliente insiste e o garçom diz que se trata de "um amigo".
Elas vão até lá, mas não reconhecem o jogador de futebol. Depois, os rapazes mexicanos dizem de quem se trata. Daniel Alves diz a elas que joga petanca, um esporte muito parecido com a bocha, no clube L'Hospitalet. Alves e seu amigo oferecem taças de cava (espumante espanhol) às jovens. "Imediatamente ele começou a flertar com nós três, grudando muito em nós e nos tocando." O jogador se coloca atrás da vítima, que descreve assim a situação: "Estava me dando nojo. Por trás, ele pegou minha mão, colocou no pênis, e eu tirei." 4h22 - O jogador aponta para uma porta e ordena que ela o siga e entre. Ela diz que achava se tratar de outra área VIP, mas era um banheiro.
Ali dentro Alves se senta no vaso sanitário e a puxa para cima dele. Ele pede que ela diga que é "sua putinha". Sem sucesso, ele a joga no chão e tenta obrigá-la a fazer sexo oral. Ela resiste e leva uma bofetada. Em seguida, o jogador a levanta, vira a vítima de costas e a penetra "violentamente até ejacular". "Eu resisti, mas ele era muito mais forte do que eu." Alves se veste e diz: "Vou sair primeiro". Segundo as câmeras da boate, eles ficam 16 minutos no banheiro. Pouco antes das 5h - Dez minutos depois de sair do banheiro, o jogador deixa a boate. Nesse momento, a vítima começa a chorar e conta o que aconteceu à amiga e à prima. Elas buscam um segurança do lugar, que chama a polícia.
Daniel não é encontrado. A vítima é atendida no Hospital Clínic. Dois dias depois, ela vai à delegacia abrir a denúncia.
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