Prevendo superlotação na Arena Pantanal, com o Cuiabá Esporte Clube disputando campeonatos na série A e também no andamento do torneio principal de clubes de 2021, aliado a tramitação de leis que permitem o retorno do público aos estádios, o Ministério Público de Mato Grosso ingressou com ação civil pública contra o Clube. A ação foi proposta nessa segunda (13.09) e é assinada pelo promotor de Justiça Alexandre de Matos Guedes.
Consta dos autos que documentos colacionados em inquérito civil instaurado por provocação do Juizado Especial do Torcedor de Cuiabá e que instrui a ação, evidenciam farto material probatório sobre o recorrente descumprimento das normas protetivas dos torcedores nas partidas do Cuiabá Esporte Clube realizadas nas dependências da Arena Pantanal, na Capital.
“É fato que as irregularidades apontadas foram constatadas durante jogos da Série C do Campeonato Brasileiro de 2018, torneio que permitiu o acesso do clube Requerido à Série B. Contudo, elas só não se repetiram na campanha do time em 2020 quando avançou para a Série A e também no andamento do torneio principal de clubes de 2021, ora em disputa, em razão da pandemia da covid-19 que, por razões sanitárias, tem obrigado a realização das partidas com portões fechados” cita trecho dos autos.
Conforme o MPE, as denúncias encaminhadas pelo Juizado do Torcedor evidenciam que, muito embora o Cuiabá faça uso da Arena Pantanal nos jogos como mandante, mantém pouco ou nenhum apreço com os direitos dos torcedores assegurados em leis - Lei nº 8.078/90 (CDC), Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), Decreto Estadual nº 643/2016 (que disciplina o uso interno e externo da Arena Multiuso) e Regulamento Geral das Competições da CBF.
O órgão cita que embora o Ministério Público e o Estado de Mato Grosso tivessem se empenhado para oferecer aos clubes o Mapa de Assento do estádio, o Cuiabá Esporte Clube mantém postura irredutível de não numerar os ingressos nas partidas que atua como mandante em competições de abrangência regional, nacional/internacional.
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“Com isso, se desobriga ilicitamente de garantir o efetivo acesso dos torcedores nos respectivos assentos que deveriam constar dos ingressos, e, por completa falta de controle, dando causa a superlotação imediata nos setores mais atrativos do estádio, com risco de tumultos e à segurança das pessoas, desprezando ainda a ocupação dos locais reservados às pessoas com deficiência. Embora o representante do clube tenha, em audiência na promotoria de Justiça, alegado que a maior dificuldade na implementação das exigências impostas em lei seja de natureza cultural derivado do desinteresse do torcedor, fato é que fosse verdadeira a premissa – e não é – isso em nada o desoneraria da obrigação de cumprir a legislação vigente”.
Para o MPE, a suposta “incapacidade cultural” da população é sempre uma falsa justificativa utilizada por diferentes segmentos políticos e econômicos para não cumprir as exigências legais destinadas ao à satisfação dos direitos individuais e coletivos.
“Desde a manutenção da escravatura no século XIX até o uso da necessidade da ditadura, nos tempos contemporâneos, sempre utilizou como álibi uma suposta “incapacidade popular”. Portanto, apesar de triste e inútil, não é original a tentativa do Réu em jogar sobre suas vítimas a responsabilidade pelo seu descumprimento do ordenamento jurídico” argumenta.
Conforme o MPE, antes, o que se infere da resistência oposta pelo clube possui natureza econômica ante a necessidade de contratar orientadores (stewards) para a função, o que, a rigor, é sua obrigação por força do que dispõe o artigo 14, III, da Lei nº 10.671/2003.
“Se na partida final da Série C disputada contra o Operário-PR ocorrida no dia 22 de setembro de 2018 houve a presença de mais de 41 mil torcedores no estádio, com inúmeros flagrantes de descumprimento da legislação protetiva, é de se imaginar a sucessão de vilipêndio aos direitos dos torcedores nos confrontos que o Réu terá quando receber os grandes clubes que disputam a série principal do torneio nacional. Se é certo que isso não tenha ocorrido em razão da pandemia que impediu o acesso de público nos jogos, é igualmente correto pressupor que a possível liberação de torcedores durante o segundo turno da competição atual (e integralmente nas próximas edições) fará restabelecer a perversa atitude do Cuiabá Esporte Clube em não atender as normas legais em que se acha subordinado” prevê.
Conforme documentos, por três ocasiões, o Ministério Público encaminhou proposta de acordo para que o Cuiabá se adequasse à legislação, porém, “além de ignorá-las solenemente, de forma prepotente, a direção do clube ainda negou o acesso do responsável pela entrega da correspondência à sua área administrativa”.
“Enfim, muito embora a Arena Pantanal disponha de arquitetura e funcionalidade como assentos numerados, é inaceitável que o Réu não queira sequer dispor de esforço mínimo de emitir bilhetes com a indicação do setor, fila e cadeira correspondente, bem como o de assegurar o efetivo acesso dos torcedores aos respectivos locais indicados nos tickets”.
Um dos objetivos almejados na ação é o de cumprimento de um dever em relação ao consumidor, também torcedor e/ou de sua família inteira (filhos e netos) que busca o lazer com segurança e comodidade. “Reitera-se que é dever da entidade organizadora da competição e detentora do mando de jogo, primar pela segurança da partida e comodidade do consumidor, devendo para isso garantir que todos os ingressos tenham a indicação de assentos numerados, assegurando que o torcedor ocupe o local correspondente” enfatiza o MPE.
O MPE ainda lembra que ao disciplinar o uso da Arena Pantanal, o Decreto 643, de 28 de julho de 2016 estabeleceu no artigo 8º que a celebração do Termo de Autorização de Uso não exime a autorizatária de cumprir as normas de posturas, saúde, segurança pública, trânsito, metrologia, edificações, meio ambiente, prevenção de incêndio e pânico, proteção e defesa do torcedor, defesa do consumidor e demais normas existentes para cada tipo de atividade.”
E que a Lei nº 10.671/2003, especialmente, visa a assegurar ao torcedor consumidor, além da transparência da própria competição, o direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos, legitimidade e funcionalidade dos ingressos para as partidas, acesso a transporte, higiene e qualidade das instalações físicas, dentre outras garantias.
Quanto a legitimidade e funcionalidade dos ingressos para os jogos integrantes de competições profissionais, constitui direito inalienável do torcedor partícipe que todos os ingressos emitidos sejam numerados, e mais, que ele venha a ocupar o local correspondente ao número constante do ingresso – conforme consta do artigo 22, I e II, do Estatuto do Torcedor.
“Ainda que a lei seja muito clara sobre o que espera das entidades envolvidas na competição, a prática de se comercializar ingressos com parca informação, ignorando a incumbência de se garantir ao torcedor um assento cômodo e do seu interesse e disponibilidade, sempre foi a prática adotada nesta capital. E não se objete sobre a exceção prevista em lei quanto a desnecessária ocupação do local correspondente ao número do ingresso pelo torcedor, uma vez que essa só será aplicada aos locais já existentes para assistência em pé, nas competições que o permitirem, limitando-se, ainda assim, nesses locais, o número de pessoas, de acordo com critérios de saúde, segurança e bemestar (§1º do art. 22, do Estatuto do Torcedor)” destaca, ao lembrar que a Arena Pantanal foi projetada para grandes eventos, como a Copa do Mundo ocorrida em 2014, comporta um alto número de espectadores e dispõe de várias funcionalidades, dentre elas o mapa com a numeração de assentos.
Segundo o MPE, o que remanesce do Cuiabá, na condição de fornecedor de serviço, é assumir com seu dever perante os torcedores, afinal, a acomodação do torcedor em local indicado no ingresso da partida futebolística não é mera liberalidade do clube, senão uma obrigação legal.
“A agremiação esportiva deve organizar a prestação do serviço de comercialização de ingresso de modo a garantir a segurança do torcedor mesmo antes da partida. Atento ao princípio da precaução, a segurança do torcedor deve ser assegurada de forma plena, seja física (proteção da integridade corporal do torcedor, minimizando sua exposição a agressões e violência), psíquica (proteção da integridade psicológica do torcedor, minimizando sua exposição a estresse, desconforto e riscos desnecessários) e patrimonial (proteção do direito de propriedade do torcedor evitando a imposição de custos desnecessários). Na mesma linha argumentativa, existe uma tendência à tutela preventiva, assim, ao estabelecer regras sobre a segurança do torcedor partícipe do evento esportivo, a lei consagra, mais uma vez, o princípio da prevenção. Evidenciado o descumprimento de obrigações legais por parte do Réu, cujo comportamento pode gerar tumulto e danos físicos, psíquicos e morais aos torcedores, é imperativa a determinação de medidas que garantam além da comodidade e funcionalidade do serviço prestado, na forma prevista no CDC e no Estatuto do Torcedor”.
Diante disso, o MPE requer a condenação do Cuiabá Esporte Clube às seguintes obrigações de fazer: Numerar os ingressos dos jogos em que for detentor do mando de campo, envolvendo competições de abrangência regional e/ou nacional/internacional, conforme prescrito no art. 22, inciso I, da Lei nº 10.671/2003; Assegurar o efetivo acesso dos torcedores aos respectivos assentos indicados nos ingressos (setor, fila e cadeira), conforme previsão contida no art. 22, II, da Lei nº 10.671/2003, podendo se valer do apoio da PM ou pela contratação de orientadores (stewards) em número suficientes para atendimento da obrigação; Empreender fiscalização efetiva e eficaz para impedir e/ou retirar terceiros que estejam ocupando indevidamente assentos reservados às pessoas com deficiência.
Em caso de descumprimento de quaisquer dessas obrigações, o órgão requer a cominação de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por cada episódio comprovado.
“Na eventualidade de ser autorizado o retorno do público nos estádios, fica desde logo requerida a antecipação dos efeitos de tutela visando a resguardar os direitos dos torcedores cuja proteção é buscado por meio desta ação, mediante o deferimento das obrigações contidas nos itens 1.1, 1.2 e 1.3 do presente tópico. Diante da informação obtida de que o documento só pode ser recebido mediante ordem judicial, requer a juntada, mediante protocolo na Secretaria desse Juízo, da mídia contendo o depoimento do representante do Cuiabá Esporte Clube na promotoria de Justiça, assim como de vídeo contendo prova dos fatos alegados pelo Autor, documentos esses que não estão sendo incluídos no PJe por razões técnicas (arquivos demasiadamente pesados). Requer, por fim, a produção de todas as provas em Direito admitidas. Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00” pede.
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