por Juliana Zafino*
Sempre que assistíamos notícias sobre algum escândalo na TV, minha querida e saudosa avó Maria dizia: “não se admireis que mais vereis”. Acompanhando as notícias sobre a lamentável guerra na Ucrânia, me deparei com as críticas sobre uma fala sobre as mulheres ucranianas e tomada de indignação, inevitável foi a lembrança na repetida frase da minha avó. O velho e repugnante assédio sexual tomando conta novamente das notícias.
Até quando uma mulher será vista e tratada dessa forma, pelo seu gênero, sua classe social e, principalmente num momento de extrema vulnerabilidade?
Dados do IBGE apontam que no ano passado 6,3% dos adolescentes disseram já terem sido obrigados a ter relações sexuais contra a sua vontade. E mais uma vez as meninas se mostraram o principal alvo dos agressores: 8,8% disseram já terem sido forçadas, frente a um percentual de 3,6% para os meninos. A ocorrência foi mais alta entre os estudantes da rede pública (6,5%) do que da rede privada (4,9%). O estudo ainda apontou que em 68,2% dos casos de violência sexual, o aluno tinha 13 anos ou menos quando foi forçado. Namorado ou namorada foram apontados como os principais autores (26,1%), seguido por outro familiar (22,4%). Foram citados, ainda, pessoa desconhecida (19,2%), amigo (17,7%), outra pessoa além das relacionadas (14,7%) e pai, mãe ou responsável (10,1%) tiveram percentuais também relevantes.
No ambiente de trabalho, de acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), houve um aumento de 21% em processos relacionados a assédio sexual no ambiente laboral no primeiro semestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Mesmo com a pandemia e o home office, de acordo com o levantamento feito, foram registradas 27.390 ações sobre assédio sexual nas Varas do
Trabalho, entre janeiro de 2015 e junho de 2021. Só nos primeiros seis meses de 2021, foram abertos 1.477 processos. No mesmo período de 2020 foram cerca de 1,1 mil.
Em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho publicou a cartilha “Assédio Sexual: Perguntas e Respostas”, nela traz a definição de assédio sexual no ambiente de trabalho como “a conduta de natureza sexual, manifestada fisicamente, por palavras, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual”. Considera, ainda, que “o assédio sexual viola a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais da vítima, tais como a liberdade, a intimidade, a vida privada, a honra, a igualdade de tratamento, o valor social do trabalho e o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro. De cunho opressivo e discriminatório, constitui violação aos Direitos Humanos”.
O trabalho voluntário em prol de uma grande causa ou de causa nobre deve ser desprovido de interesses pessoais, ou não será virtuoso. É triste e ao mesmo tempo asqueroso o comportamento do deputado estadual Arthur do Val, que ao se propor ao auxílio, faliu miseravelmente em seu propósito, não apenas como representante do povo, mas como pessoa humana, ou melhor... qual era mesmo o propósito dele?
A máxima de que o pensamento se torna palavras, que as palavras se tornam ações, as ações se tornam hábitos, os hábitos moldam o caráter e o caráter guia o destino, parece se encaixar perfeitamente na situação. Não se trata apenas de um comentário infeliz ou de uma empolgação diante da fartura de beleza, mas o que está entranhado no pensamento e na cultura milenar machista que teima em não evoluir com o passar do tempo.
É certo que o fato causou repugnação. Tantos outros iguais ocorrem todos os dias com mulheres no Brasil e em todo o mundo, nos comentários maldosos, nos sorrisos jocosos, nos olhares lascivos e ações.
É... não se admireis, que mais vereis! O tempo também é implacável e caminha na estrada da evolução, descortinando a verdade daqueles que não aprenderam a lição.
No mês em que comemoramos o Dia Internacional das Mulheres essas reflexões são oportunas, apesar de tristes. Marcada pela luta histórica das mulheres por melhores condições de trabalho, condições salariais equiparada as dos homens e tratamento digno, atualmente o 8 de março simboliza também a luta das mulheres contra o machismo e a violência em todos os ambientes.
Ao longo do tempo, a situação de subalternidade das mulheres vem sendo enfrentada através de um novo modo de pensar, sentir e agir, com muito esforço por parte das mulheres e também de homens imbuídos na conscientização da integridade e do respeito, nutrindo a esperança da criação de um novo cenário para as próximas gerações.
Se nos sentimos agredidas com as palavras proferidas no áudio do deputado, imaginem o que as ucranianas sentiram. Ao contrário do que o pensamento machista acredita, não gostamos de assédio e nem de sermos objetificadas. O parlamentar ofendeu a dignidade daquelas que estão lutando pelo seu país, pelas suas vidas e as de seus familiares. Não sabem se estarão vivas, se terão suas casas, suas terras, totalmente vulneráveis, merecendo total respeito.
Nesse mês de março devemos refletir qual o mundo que queremos para as nossas filhas, netas e para as próximas gerações. Proporcionar ações em prol do respeito, da dignidade e da mudança de cultura é um dos pontos cruciais para essa transformação. Há que se respeitar o ventre em que fomos gerados.
Lembrando de toda a minha ancestralidade feminina e grata por tudo o que elas suportaram e conseguiram modificar, me solidarizo com suas dores e alimento minha coragem de prosseguir lutando por dignidade, respeito e aplicação igualitária de direitos. Afinal, queremos concretizar resultados positivos, políticas construtivas e cultura de integridade.
*Juliana Zafino I. Ferreira Mendes é advogada com atuação em Cuiabá, Goiânia e Brasília, voluntária na OAB-MT, mãe, esposa, filha e irmã.
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