Quem olhas as máquinas fabulosas desfilando em meio as grandes plantações e os longos campos brotando o ouro verde sem nunca ter afagado a terra com as próprias mãos para dela arrancar seu alimento não tem a menor ideia das dores, das inseguranças e do quão difícil é produzir alimentos. O agro pujante de hoje é o filho mais novo do homem que se esmerava com o tripálio (madeira de três pontas feita para rasgar o chão, na agricultura primitiva) e do velho arado arrastado por bois ou cavalos nas encostas do sertão.
A jovem urbanização brasileira tirou da grande maioria da população as habilidades, o conhecimento e junto com elas a sensibilidade e o entendimento do manuseio da enxada, da foice, do machado, da matraca de semear, do cutelo e de como estas ferramentas evoluíram para o trator, para a colheitadeira, para as máquinas computadorizadas, drones e os gerenciamentos por satélites.
O sertão do Jeca Tatu descrito na obra de Monteiro Lobato, com suas modas de viola com letras inocentes, histórias cantadas em prosas e versos por duplas tais como Tonico e Tinoco já deram lugar para o contexto das superproduções das patroas Marilia Mendonça (saudosa) e Maiara e Maraisa, ou ainda as milionárias produções de Gustavo Lima. Nem o “Jeca”, nem a música nem o campo são mais os mesmos.
O que não muda são os ciclos agro exportáveis e sua duração, que pode ser prolongada ou passageira, desde a cana de açúcar, da produção cacaueira passando pela produção cafeeira. O grande dilema foi e continua sendo a comunicação campo, cidade e política. Sempre houve um estranhamento cultural, tanto no conflito de vocabulário quanto no interesse dos rumos políticos.
A incompreensão e o endurecimento verborrágico e simbólico fizeram muitas vezes a agricultura ser vítima da ausência e da insistência de líderes que insistem em desconhecer as ciências humanas enquanto leitura política e social para formulação dos discursos e consequentemente para as tomadas de decisões. Os dirigentes do MST dos anos 1990 até 2010 são vistos como vilões pela forma como se comunicaram com a sociedade, e os dirigentes do moderno agro estão indo pelo mesmo caminho.
O agro hoje tem comunicado com a cidade pior do que já comunicava no século passado. Diria que é uma comunicação desastrosa, não somente com a sociedade brasileira, mas com o mundo civilizado, de tal forma que enquanto estiver pagando a conta através de investimentos e exportações será aceito, suportado, mas não amado. “O progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada”, disse George Bernard Shaw.
Este distúrbio na comunicação do agro tem origem no insistente patrocínio ao conservadorismo estruturante, o apego a figuras políticas extremadas e repugnantes perante os direitos fundamentais. Praticada por lideranças do setor, o afago a personagens folclóricas e bizarras, o patrocínio de movimentos negacionistas e antidemocráticos, os ataques voluntários a instituições, o apego a pessoas e as causas que atentam contra a ordem humanitária. “Se queres provar-nos que és competente em agricultura, não o proves semeando urtigas”, já dizia Georg Lichtenberg.
Os representantes do Agro (instituição) precisam urgentemente melhorar sua comunicação com a sociedade antes que a grande massa tenha ódio do alimento que recebe no prato. Cada cidadão é livre para fazer e defender suas escolhas, mas as instituições e seus representantes não! Estes devem ser escravos da responsabilidade que lhes foi creditada e do peso que significa suas escolhas na forma de fala e ação.
Qualquer segmento econômico e social é maior que qualquer homem público. Portanto nenhum representante setorista ou classista deve se rebaixar a ideologia, a obsessão, a teimosia ou a pessoas, ou a pseudos heróis, sob a pena de minguar e aniquilar seu setor. Pior se propagar fake News.
A bandeira que carregas pode libertar ou aprisionar seu segmento tanto ao amor quanto ao ódio social, na representatividade, nas falas e nas ações de suas lideranças está o sucesso ou o fracasso. Hoje, infelizmente, a constante comunicação agressiva, extremada, egoísta e arrogante de muitos líderes está conduzindo a sociedade a ter aversão não a quem representa, mas ao segmento. Sabendo que tais atitudes destes representantes não condizem com a grande maioria dos produtores do país.
Se até 1970 a população brasileira era rural ou de grande aproximação com o campo, o século XXI apresenta outra realidade. Pessoas urbanizadas e com discernimento adquiridos através de escolarização e leituras. Por isso a comunicação tem obrigatoriamente que ser outra; mais cientifica, mais argumentativa, mais inclusiva, antes que seja tarde. Na economia tudo passa, até a alimentação muda, não somente na forma de produzir, mas também na essência do que comer. Afinal “a mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”, John Kennedy.
*João Edisom é sociólogo e articulista político.
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