No balcão da farmácia, o cliente pede um vermífugo para combater a Covid-19. Apesar do alerta do farmacêutico de que não há eficácia comprovada, a compra é concluída. Com ou sem o aviso na drogaria, a cena se repetiu à exaustão em 2020, fazendo com que medicamentos como a hidroxicloroquina (antimalárico), a ivermectina (vermífugo) e a nitazoxanida (antiparasitário) tivessem altas expressivas nas vendas em 2020.
Apenas no caso da hidroxicloroquina, o total mais que dobrou, passando de 963 mil em 2019 para 2 milhões de unidades em 2020, conforme levantamento obtido com exclusividade pelo G1 junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Na base desta discussão está o uso dos medicamentos off-label (fora da indicação já prevista em bula): o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que não endossa o uso, mas defende a autonomia dos médicos.
Aos três remédios já citados acima se juntam outros que chegaram a ser agrupados no chamado kit Covid, voltado ao suposto "tratamento precoce" da doença. As drogas foram prescritas por médicos brasileiros apesar de estudos científicos no Brasil e no mundo não apontarem benefícios e alertarem para riscos associados ao uso.
Além de especialistas, de algumas entidades médicas e de pesquisas publicadas em revistas científicas, até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a ineficácia da estratégia off-label que impactou o varejo farmacêutico. Entretanto, na avaliação das empresas, a responsabilidade pelo aumento das vendas fica com os profissionais que têm poder de assinar a receita.
Procurado pelo G1, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) disse que: "não se pronuncia publicamente em situações que envolvem produtos e empresas determinados, como é o caso desta pauta". A entidade indicou que o G1 procurasse as empresas para um posicionamento.
Entretanto, o Sindusfarma complementou: “todo e qualquer medicamento deve ser consumido seguindo as indicações terapêuticas de suas bulas e as prescrições e orientações de médicos, farmacêuticos e demais profissionais de saúde habilitados”.
A FQM, uma das 10 que comercializam o vermífugo nitazoxanida, enviou nota ao G1 na qual diz que o medicamento por ela batizado de Annita "não tem a indicação formal de combate ao SARS-Cov-2 na bula", mas que apoia quatro estudos clínicos da substância como alternativa contra o Sars-Cov-2 e citou que estudos in vitro (em laboratório) ainda não publicados apontam "poder inibidor" da molécula contra o vírus.
Apesar disso, a FQM lembra que não há fármaco aprovado contra a Covid e apontou que o uso é de responsabilidade dos profissionais.
"(...) torna-se exclusivamente uma decisão médica o uso como tentativa de terapêutica para a doença, onde o profissional deverá assumir a responsabilidade da prescrição, com o consentimento do paciente" - FQM, uma das fabricantes da nitazoxanida
A EMS, uma das empresas que que produzem a hidroxicloroquina/cloroquina no país, destacou em nota ao G1 que tem a "missão de cuidar de pessoas sempre com responsabilidade e com o apoio da ciência", e citou que a responsabilidade é dos médicos.
"Os médicos são os únicos profissionais habilitados a prescrever o uso adequado do medicamento, seguindo os protocolos de Medicina" - EMS, uma das fabricantes da hidroxicloroquina.
Venda de remédios sem eficácia contra a Covid
Molécula Total 2019 Total 2020 Crescimento (%)
Hidroxicloroquina (antimalárico) 963 596 2 026 910 113%
Ivermectina (antiparasitário) 8 188 216 53 818 621 557%
Nitazoxanida (antiparasitário) 9 214 556 10 128 351 10%
Ácido ascórbico (vitamina C) 44 263 669 70 448 804 59%
Colecalciferol (vitamina D) 18 668 677 33 809 829 81%
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